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Por que alguns médicos ainda acreditam em tratamento precoce e receitam a cloroquina?

31 de maio de 2021 (Bibliomed). A Cloroquina (CQ) e a Hidroxicloroquina (HCQ) não funcionam para a COVID-19. Isso é um fato sabido e documentado cientificamente nos dias atuais, no mês de junho de 2021. Seria muito bom que funcionassem, seria até mesmo ESPETACULAR. Mas infelizmente não funcionam...

Uma recente revisão Cochrane (grupo científico especializado em revisões científicas, de alta credibilidade) de quatorze estudos de diversos países, aí incluído o Brasil, concluiu que a hidroxicloroquina não tem benefício clínico no tratamento de COVID - 19 em pacientes hospitalizados (evidência de certeza moderada a alta de vários estudos randomizados), havendo um provável aumento de eventos adversos associados ao seu uso.

Nas suas indicações aprovadas originais de uso destes medicamentos, além de utilização no tratamento da malária, existem orientações de prescrição para afecções reumáticas e dermatológicas; artrite reumatoide; artrite reumatoide juvenil; lúpus eritematoso sistêmico; lúpus eritematoso discoide; ou outras condições dermatológicas provocadas ou agravadas pela luz solar. As doses variam na dependência da doença a ser tratada, na fase inicial, chegando a até 800 mg diários (como por exemplo, no Lúpus eritematoso sistêmico e discoide).

Mas de onde saiu a ideia sobre o uso da Cloroquina/Hidroxicloroquina na COVID-19?

Primeiramente, deve-se lembrar que a cloroquina e a hidroxicloroquina são compostos derivados da quinina, e têm sido usados como medicamentos antimaláricos desde a década de 1940. A HCQ é um análogo de CQ em que um dos substituintes N-etil de CQ é ß-hidroxilado. HCQ e CQ têm propriedades farmacocinéticas semelhantes, com alta biodisponibilidade oral e penetrância tecidual, metabolismo hepático parcial e altos volumes de distribuição à medida que se difundem no tecido gorduroso do corpo.

Ambas as drogas têm sido usadas amplamente e por muitos anos para o tratamento e prevenção da malária (embora atualmente sejam amplamente ineficazes contra a malária falciparum) e no tratamento de condições reumatológicas, como lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide.

A atividade antiviral in vitro (não observada no organismo humano) da cloroquina foi identificada desde o final dos anos 1960; o crescimento de muitos vírus diferentes pode ser inibido em cultura de células por cloroquina e hidroxicloroquina, incluindo o coronavírus SARS. Algumas evidências de atividade em camundongos foram encontradas para uma variedade de vírus, incluindo coronavírus humano OC43, enterovírus EV-A71, vírus Zika e influenza A H5N1. No entanto, a cloroquina não preveniu a infecção por influenza em um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo e não teve efeito em pacientes infectados com dengue em um ensaio clínico randomizado controlado no Vietnã. A cloroquina também foi ativa ex vivo, mas não in vivo no caso do ebolavírus em camundongos.

O caso do vírus chikungunya (CHIKV) é de interesse específico: a cloroquina mostrou atividade antiviral promissora in vitro, mas demonstrou aumentar a replicação do alfavírus em vários modelos animais, muito provavelmente por causa da modulação imunológica e propriedades antiinflamatórias da cloroquina in vivo. Em um modelo primata não humano de infecção por CHIKV, o tratamento com cloroquina demonstrou piorar a febre aguda e atrasar a resposta imune celular, levando a uma eliminação viral incompleta. Ao todo, a avaliação de estudos anteriores indica que, até o momento, nenhuma infecção viral aguda foi tratada com sucesso pela cloroquina em humanos.

A cloroquina também foi testada em doenças virais crônicas. Seu uso no tratamento de pacientes infectados pelo HIV foi considerado inconclusivo e o medicamento não foi incluído no painel recomendado para o tratamento do HIV. O único efeito modesto da cloroquina na terapia da infecção viral humana foi encontrado para a hepatite C crônica.

Um estudo de avaliação “in vitro” chegou a concluir que "a cloroquina (seria) altamente eficaz no controle da infecção pelo coronavírus 19 in vitro" e que seu "histórico de segurança sugere que deve ser avaliada em pacientes humanos que sofrem da nova doença coronavírus".

Alguns outros resultados animadores com a CQ/HCQforam descritos, a maioria deles de estudos menores, como o famoso estudo de Didier Raoult na França (que deu origem ao uso inicial na Europa, Estados Unidos e depois no Brasil), mas nenhum deles subsistiu quando estudos randomizados controlados e prospectivos foram introduzidos, mesmo usando dosagens diferentes dos medicamentos. Algumas dessas doses mais elevadas, apesar de já estarem descritas na Literatura para uso em outras doenças, se mostraram incapazes de tratar pacientes graves com COVID-19, e provocaram sérios eventos adversos.

Mas surgiu a questão POLÍTICA, altamente prevalente no Brasil, onde partidários do Presidente Bolsonaro, entre eles médicos, não reconhecem os efeitos negativos deletérios da CQ/HCQ na COVID-19, e nem a sua (in)eficácia nestes casos. E estes médicos, usando como referência uma “ciência” feita à moda a antiga, baseada em estudos observacionais e em resultados preliminares de estudos menores (mas não em protocolos aprovados por agencias de pesquisa, sérios e randomizados, com estudos avaliados por pares), acabam por levar à confusão e à má orientação da população em geral. Ampliando a sensação de segurança de que um “tratamento precoce seria eficaz na COVID-19.

No meio desse tumulto de opiniões, a melhor conduta é: deve-se acreditar na CIÊNCIA, mas naquela Ciência feita de modo sério e metódico, onde resultados são aqueles que são os realmente encontrados em uma pesquisa bem delineada e planejada, sejam estes resultados bons ou ruins, e não naqueles resultados que se poderia desejar que fossem os encontrados.

Fontes: Cochrane Library. Antiviral Res. DOI: 10.1016/j.antiviral.2020.104762.

Copyright © 2021 Bibliomed, Inc.

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