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Cultura Física e Comportamento

A pesquisadora paulistana Mônica Raisa Schpun Pugliesi, atualmente na Università Degli Studi, de Milão, na Itália, desenvolveu um estudo que, de forma extraordinária analisa as transformações ocorridas nos anos vinte, em São Paulo - e por decorrência, em todo o Brasil. O Estudo Corpos na cidade: cultura física e comportamento em São Paulo nos anos 20 analisa e critica a concepção da sociedade sobre a cultura do corpo da mulher, seu físico e a prática de esportes, e as implicações disto sobre a percepção de mundo desenvolvida pela sociedade.

"Os anos vinte são um momento particular na história da cidade de São Paulo, tanto pelo ponto de vista social, cultural e político, quanto especificamente urbano, de grandes transformações paisagísticas, físicas e simbólicas. Práticas e discursos definem, instituem, disciplinam e separam as experiências corporais masculina e feminina, bem como o imaginário social que as envolve no contexto urbano em questão", observa.

O trabalho, que gerou um livro - Beleza em Jogo - tem prefácio de Michelle Perrot e concentra sua análise nas elites paulistanas, onde a análise se detém especialmente sobre algumas das práticas esportivas mais tratadas pelas fontes secundárias da época. O esporte, elemento fundamental na constituição da identidade coletiva masculina, segundo Raisa, traz intrínseca as aglomerações de torcedores, a paixão pelo esporte, assim como a prática de diferentes modalidades, constituindo formas privilegiadas de expressão social da masculinidade. As mulheres aí, ocupam espaço menor e menos natural.

Segundo Raísa, ao se tratar das práticas especificamente femininas da nova cultura corporal urbana, em especial das questões ligadas à apresentação física e à beleza, "as mulheres das camadas dominantes são as mais novas personagens da cena urbana. Isso requer um aprendizado, uma pedagogia da exibição pública de si. Trata-se não somente de códigos sexuados, mas também de formas de distinção e de afirmação das identidades sociais. Trata-se, em suma, da instituição de identidades urbanas coletivas e essencialmente sexuadas. Os anos vinte abrem-se como um verdadeiro laboratório diante do olhar do historiador, concentrando de forma privilegiada transformações já em marcha anteriormente e que se referem, também, às modalidades pelas quais a modernidade se instala na vida urbana".

Graça x força

"Assim, segundo essa lógica, espera-se que um jovem siga a atualidade esportiva, participe dos acontecimentos organizados nos estádios, torça para um time de futebol, se preocupe com sua forma física e, sobretudo, pratique esportes. Quanto à preparação física feminina, um dos objetivos centrais é o da produção de efeitos corporais ditos estéticos. De fato, a cultura dos corpos femininos na época passa sempre por este critério de beleza: a exibição cada vez mais freqüente dos corpos das mulheres exige uma disciplina física civilizadora, no sentido de assegurar que essa visibilidade mais marcada siga códigos sociais de elaboração e gestão da apresentação e do comportamento corporal. Nesse sentido, é sintomática a insistência sobre a graça da locomoção feminina, elemento que deve ser desenvolvido pela educação física", esclarece.

Segundo a Dra. Mônica Raisa Schpun, os exercícios que mais convêm à mulher são aqueles que aumentam a flexibilidade e a destreza da coluna vertebral. Ou seja, os movimentos que dão flexibilidade e harmonia aos movimentos e promove maiores encantos na mulher: Graça. A educação física para moças constitui-se em atividade higiênica e estética, e nunca atlética, na mesma concepção de atletismo atribuída aos homens. Visam, sobretudo, o desenvolvimento da parte inferior do corpo, procurando incentivar a agilidade e não a força.

Com relação à beleza, Schpun garante que a feiúra é inaceitável. "Arrasta as mulheres para um investimento sem fim na melhoria e na manutenção de cada detalhe da aparência. A difusão do espelho e da fotografia implica e permite um controle mais agudo da apresentação de si mesma. Todo gesto pouco amestrado torna-se desde então um signo extremamente incômodo. Quanto às mulheres de elite, uma tal pedagogia da presença pública apresenta um papel suplementar. Mostrando-se, essas mulheres devem assinalar constantemente sua posição social e, distinguindo-se das demais, marcar uma distância intransponível. O leque social mais complexo implica o desenvolvimento de novas estratégias; os mais variados detalhes devem ser acentuados para sinalizar diferenças e evitar misturas", analisa.

A cultura da beleza exerce um papel fundamental na constituição de identidades sociais sexuadas. A mobilização coletiva feminina passa por uma adesão generalizada ao trabalho quotidiano sobre a aparência. "Não é por acaso que os concursos de beleza aparecem justamente no início da década de vinte. Junto com o cinema, lazer privilegiado da população, os concursos têm um papel fundamental na difusão de modelos", esclarece Raisa, que completa: "além disso, num país que carrega uma História de três séculos de escravidão negra, com uma Abolição extremamente tardia, pode-se facilmente imaginar a força, entre conselhos e modelos de beleza, de cuidados buscando realçar traços físicos que neguem e se afastem ao máximo de todo e qualquer signo de negritude".

Assim, cabelos tingidos, oxigenados, pastas, pomadas e pós brancos ocupam um lugar de destaque nas diversas receitas de produtos divulgadas na época, e, curiosamente, como tantas outras observadas que, ainda hoje, ainda pululam o imaginário da sociedade contemporânea, como a pureza, que ainda norteia a concepção de beleza feminina e, evidentemente, pureza e brancura da pele constituem-se num par perfeito. "As representações de personagens negros na imprensa dos anos 20 coincidem, em geral, com a representação das domésticas", alerta a pesquisadora que propõe: nesta sobreposição, negritude, feiúra, ignorância e mesmo obesidade integram um mesmo conjunto", afirma.

Já as patroas, sempre são - nas representações gráficas dos anos 20 - esbeltas, delicadas, jovens, apresentando sempre gestos fino e, evidentemente, brancura. A comparação mostra que a silhueta européia não corresponde completamente ao imaginário local. Certos desenhos representam mulheres com formas menos marcadas, mais retas; outros, bastante numerosos, sublinham muito os contornos arredondados dos corpos. Os vestidos são quase sempre colantes, insistindo nas formas dos quadris e das nádegas. Os seios, geralmente pequenos, são pouco sobressalentes", esclarece. Sobre o cumprimento das saias, ela lembra que os olhares centram-se nas pernas, "extremamente visíveis nessas imagens carregadas de sensualidade. Nos desenhos estrangeiros, nenhuma dessas características existe", diz.

Com relação à aversão à obesidade, Mônica Raisa ensina que o preconceito não é recente. "Símbolo privilegiado de feiúra e de falta de charme femininos, se as mulheres desejáveis são antes esbeltas e jovens, isto não implica porém que o modelo de silhueta reta defendido pelos higienistas seja representativo. Nesse sentido, as novas identidades coletivas obrigam certamente antigas fronteiras entre homens e mulheres a se deslocarem em benefício de uma entrada irrevogável das mulheres na praça pública. Entretanto, permanecendo sempre sexuadas, elas re-instituem desigualdades profundas, lidas aqui nas modalidades da convivência física instaurada", atesta a pós-doutoranda.

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