Artigos de saúde
Neste Artigo:
- Morte Cerebral
- Posturas Opostas
A conceituação da morte é um dos temas mais aguçados da bioética. A definição em
vigência de morte cerebral traça dilemas ainda sem soluções. Ao contrário do que
supõe o senso comum, muitas vezes a fronteira que separa a vida da morte é uma linha
difusa e difícil de estabelecer.
A busca de critérios teóricos que definam o que entende-se por morte, critérios que
possam se deslocar sem maiores dificuldades à prática médica cotidiana, é um dos temas
mais complexos e discutidos que aborda a disciplina científica denominada bioética, que
estuda os aspectos éticos da medicina e da biologia.
Nas últimas décadas do século XX, os avanços que tem experimentado a medicina e o
conhecimento biológico, tem estabelecido complexos questionamentos em torno da
conceituação da morte.
Se bem que são muitos os fatos pontuais que têm feito estes problemas ainda mais
complexos, são principalmente dois os que têm funcionado como gatilho do conceito que
atualmente utiliza-se para determinar quando uma pessoa já não está viva. Por um lado,
a invenção do respirador artificial motivado pela epidemia de pólio nos anos 50,
permitiu que muitas pessoas permanecessem vivas em situações em que antes algo assim
seria impossível; por outro lado, o primeiro transplante de coração, realizado em 1967
pelo Dr. Christian Barnard e a necessidade de contar com estes órgãos para transplantes
estabeleceu a pergunta: Quando é razoável deixar de tratar uma pessoa conectada a um
respirador?
Morte Cerebral
"A utilização de respiradores em pacientes que haviam perdido a consciência
irreversivelmente estava convertendo-se em um problema para os chefes das unidades de
cuidados intensivos. Começaram a ter problemas com as salas cheias de pacientes
irreversivelmente inconscientes, e cada um deles necessitava não somente de uma cama e um
respirador, como também de assistência médica especializada. Para a família, o
respirador prolongava a agonia. Se a pessoa querida já não poderia recuperar a
consciência, já que esta havia se perdido para sempre. Entretanto não estava morta, e
portanto, não podiam aliviar sua dor com os habituais rituais de morte, enterro e
luto", escreve o filósofo australiano Peter Singer, especialista em bioética, em
seu livro "Repansar la vida y la muerte. El derrumbe de nuestra ética
tradicional" (Editora Paidós).
Foi esta situação em que estabeleceu-se a necessidade de contar com um critério que
serviria para decidir se um paciente que havia perdido irreversivelmente a consciência,
mas mantinha suas funções vitais graças ao respirador artificial, continuava vivo em
termos médicos.
Esta situação tornou-se crítica frente a possibilidade da realização de transplantes
de coração, para o qual é necessário a extração do órgão o mais rápido possível,
logo que se estabeleça o estado de inconsciência no potencial doador. "Ante a
possibilidade de realizar transplantes de coração, de repente considerou-se deste outro
ponto de vista os males de pacientes em permanente estado de inconsciência que enchiam as
salas dos hospitais de todo o mundo. Em vez de ser uma carga cada vez mais pesada para os
recursos do hospital, podiam ser convertidos em um meio de salvar a vida de outros
pacientes", recorda Singer.
Tão somente a um mês do primeiro transplante de coração realizado por Barnard,
criou-se o chamado "Comitê Ad Hoc da Faculdade de Medicina de Harvard para Examinar
a Definição de Morte Cerebral", também conhecido como "Comitê sobre a Morte
Cerebral de Harvard", composto por dez médicos, um historiador, um advogado e um
teólogo. Após deliberar, em agosto de 1968 este comitê publicou no Journal of
American Medical Association sua definição de que a morte cerebral (ou coma
irreversível) deve ser utilizada como sinônimo de morte. No dito informe, o comitê
argumentava desta forma suas decisões: "Nosso principal objetivo é definir o coma
irreversível como um novo critério de morte. Há duas razões pelas quais é necessário
uma definição. Primeiro, os avanços nos métodos de ressuscitação e manutenção da
vida têm resultado esforços cada vez maiores para salvar aqueles que sofrem lesões
graves. Às vezes estes esforços têm somente um êxito parcial, e o resultado é um
indivíduo cujo coração continua batendo, porém o cérebro está irreversivelmente
danificado. A carga que se impõe aos pacientes que sofrem a perda permanente do
intelecto, para suas famílias, para os hospitais e para aqueles que necessitam das camas
hospitalares que ocupam estes pacientes em coma é grave. Segundo, os critérios obsoletos
para definir a morte podem causar controvérsia na hora de conseguir órgãos para
transplantes".
Posturas Opostas
Se bem a morte cerebral tem sido adotada como conceito de morte em quase todo o mundo
desenvolvido (o Japão é uma exceção), esta conceituação também deixa sérios
dilemas médicos sem resposta, porque existe quem reclame a necessidade de revisar o
conceito de morte.
"Agora, o coma irreversível como resultado de uma lesão cerebral permanente não é
de nenhum modo o mesmo que a morte de todo o cérebro, argumenta Peter Singer, um forte
inimigo do conceito do coma irreversível como sinônimo de morte. A lesão permanente das
partes do cérebro responsáveis pela consciência pode conduzir a um estado que se
conhece como estado vegetativo persistente. Nestas pessoas, o tronco encefálico e o
sistema nervoso central seguem funcionando, porém a consciência está irreversivelmente
perdida. Hoje em dia nenhum sistema judiciário considera mortas as pessoas em estado
vegetativo persistente".
"Por que deveríamos eleger então a morte do cérebro como o único fator
determinante de morte, em vez da morte dos rins ou do coração, quando se pode suprir a
função de todos eles? A resposta é que não são realmente as funções integradoras e
coordenadoras do cérebro as que fazem que sua morte seja o final de tudo que valorizamos,
se não sua associação com a consciência e a personalidade".
Para Singer, A morte cerebral é tão somente uma "ficção prática" que
permite salvar órgãos para transplantes e suprimir tratamentos médicos inúteis.
O problema de sua parcial inutilidade estabelece casos como os seguintes que encontram-se
no limite da definição de morte. O caso dos bebês anaencefálicos é um deles, pois
são bebês que nascem sem cérebro, porém com o tronco encefálico; é por isso que
estas crianças podem permanecer vivas por anos, porém jamais alcançarão o estado de
consciência. Este e outros casos como, por exemplo, a morte cortical na qual o paciente
segue respirando porém jamais poderá recobrar a consciência, reclamam da bioética
novas definições que se adaptem ao desenvolvimento atual da medicina.
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29 de Setembro de 2000
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