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Vacina Sputinik V: como ela funciona e porque a Anvisa não a liberou

29 de abril de 2021 (Bibliomed). O Instituto de Pesquisa Gamaleya, parte do Ministério da Saúde da Rússia, desenvolveu uma vacina contra o coronavírus conhecida como Sputnik V. Em fevereiro, o Instituto publicou um estudo no qual o imunizante apresentava uma taxa de eficácia de 91,6%, o que fez com que a Rússia adotasse a vacina em campanha de vacinação em massa. Em outros 62 países, incluindo Argentina, Emirados Árabes, Hungria, Paraguai e México, a Sputnik V foi aprovada para uso de emergência.

A vacina do Instituto Gamaleya, feita com o apoio do Fundo de Investimento Direto da Rússia, usa duas vacinas diferentes no que é conhecido como “esquema de reforço inicial”. Ambas as injeções dependem de adenovírus supostamente inofensivos como “vetores” de entrega de genes: os pesquisadores os desenvolveram para conter o gene da proteína de superfície do SARS-CoV-2, o vírus que causa o COVID-19. A primeira dose usa o adenovírus 26 (Ad26) como vetor para a proteína de superfície do coronavírus, chamada spike, enquanto a segunda usa o adenovírus 5 (Ad5). Os dois tipos de adenovírus foram projetados para que pudessem invadir as células, mas não se replicar.

Vacinas vetoriais de adenovírus como J&J, AstraZeneca e Sputnik V usam infecção com adenovírus, patógenos que geralmente causam resfriados comuns.

Depois de aplicada a vacina, os adenovírus colidem com as células e se fixam nas proteínas em sua superfície. A célula envolve o vírus em uma bolha e o “puxa” para dentro. Uma vez dentro da célula, o adenovírus escapa da bolha e viaja para o núcleo celular, a parte da célula onde o DNA é armazenado.

O adenovírus então empurra o seu DNA para o núcleo e é projetado de forma que não possa fazer cópias de si mesmo, mas o gene para a proteína spike do coronavírus pode ser lido pela célula e copiado em uma molécula chamada RNA mensageiro (mRNA).

O mRNA deixa o núcleo e as moléculas da célula leem sua sequência e começam a montar proteínas spike, que passam então a serem reconhecidas pelo sistema imunológico. O adenovírus também provoca o sistema imunológico ao ligar os sistemas de alarme da célula. A célula envia sinais de alerta para ativar as células imunológicas próximas. Ao disparar esse alarme, a Sputnik V faz com que o sistema imunológico reaja mais fortemente às proteínas spike.

Precisamente porque os adenovírus são tão comuns, um problema de usá-los como vetores em vacinas é que as pessoas já podem ter anticorpos contra eles, sobrecarregando-os antes que possam fazer seu trabalho designado. Os pesquisadores contornam esse problema usando adenovírus que os humanos provavelmente não encontraram antes.

Atualmente, cinco vacinas de vetor de adenovírus para COVID-19 estão em uso em todo o mundo. Cada uma funciona com o mesmo princípio básico, embora as plataformas de entrega sejam diferentes. A vacina Oxford/AstraZeneca usa a plataforma ChAdOx1, que é baseada em uma versão modificada de um adenovírus de chimpanzé. A vacina Johnson & Johnson usa uma plataforma AdVac proprietária, composta por um adenovírus humano recombinante (adv26). É a mesma plataforma usada na vacina contra o vírus Ebola da empresa (que é aprovada na Europa) e suas vacinas de investigação contra Zika, RSV e HIV.

A Sputnik V da Rússia usa adenovírus humanos recombinantes Ad26 e Ad5 para a primeira e segunda doses, respectivamente. Finalmente, a vacina CanSino da China usa o adenovírus humano recombinante Ad5.

Os adenovírus - mesmo quando ocorrem na natureza - simplesmente não têm a capacidade de alterar o DNA das células onde penetram. Ao contrário dos retrovírus como o HIV ou lentivírus, os adenovírus do tipo selvagem não carregam a maquinaria enzimática necessária para a integração no DNA da célula hospedeira. Isso é exatamente o que os torna boas plataformas de vacinas para doenças infecciosas, como no caso da COVID-19.

E os adenovírus modificados usados em vacinas foram ainda mais alterados pela exclusão de “pedaços” de seu genoma para que não pudessem se replicar, aumentando ainda mais sua segurança. Para aumentar a segurança e diminuir o risco de efeitos colaterais, a maioria dos vetores da vacina exclui os genes AdV E1 e E3.

Mas então, se os adenovírus usados como vetores são modificados, e teoricamente inertes, porque a Anvisa recusou a importação da Sputnik V? Segundo a infectologista americana   Dra. Angela Rasmussen, o agente regulador do Brasil rejeitou corretamente a vacina, pois o vetor Ad5 da vacina Sputnik V é evidentemente competente para replicação. Os fabricantes aparentemente não excluíram o gene E1 e, portanto, receber essa vacina significa estar infectado com o adenovírus 5 vivo.

Segundo a Anvisa, “uma das informações preocupantes com relação à avaliação dos dados disponíveis até o momento é que as células onde os adenovírus são produzidos para o desenvolvimento da vacina permitem sua replicação. Isso pode acarretar infecções em seres humanos, podendo causar danos e óbitos, especialmente em pessoas com baixa imunidade e problemas respiratórios, entre outros problemas de saúde”.

Para a Agência, “esse aspecto foge dos padrões de qualidade recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Medicamentos para Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH), seguidos pelas principais agências reguladoras do mundo, incluindo a Anvisa. Além disso, foram detectados estudos de caracterização inadequados da vacina, inclusive com relação à análise de impurezas e de vírus contaminantes durante o processo de fabricação, além de ausência de validação/qualificação de métodos de controle de qualidade, entre diversos outros aspectos. Foi verificada, ainda, a ausência de testes de toxicidade reprodutiva, que permitem verificar se o produto pode ou não ser prejudicial às células reprodutivas”.

Na terça-feira, dia 27 de abril de 2021, o Fundo de Investimento Direto da Rússia disse que “o Centro Gamaleya, que realiza controle de qualidade estrito de todos os locais de produção do Sputnik V, confirmou que nenhum adenovírus competente para replicação (RCA) foi encontrado em qualquer um dos lotes de vacina do Sputnik V que foram produzidos”. E acusou a Anvisa de ter tomada a decisão por motivos políticos, influenciada pelos Estados Unidos.

Num momento em que se o país precisa desesperadamente das vacinas, a questão da possível replicação dos vetores adenovírus na vacina Sputnik deveria ser rapidamente esclarecida pelos fabricantes, e os produtores da vacina deveriam vir a público e apresentar seus dados de que isso não ocorre, e que a vacina é segura. É simplesmente um caso da ciência, e não de política ou da justiça. A Anvisa apresentou seus argumentos e os embasou. Esperamos que os produtores da Sputnik V tenham argumentos adequados para responder à agencia reguladora brasileira.

Fontes: The New York Times; Financial Times; Dra. Angela Rasmussen - Georgetown Global Health Science & Security; Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Copyright © 2021 Bibliomed, Inc.

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