Artigos de saúde

06 - Como alcançar os jovens

Para combater a epidemia de HIV/AIDS entre os jovens, é preciso aproximar-se não só dos próprios jovens mas também daqueles que os influenciam. Os pais e outros familiares podem ajudar a evitar o HIV/AIDS entre os jovens. Além disso, os programas de prevenção da AIDS podem tentar uma aproximação muito maior com os homens, tanto adolescentes como adultos, que geralmente assumem um papel dominante nas relações sexuais com mulheres jovens. Para enfrentar os desafios do HIV/AIDS é preciso também alcançar os milhões de jovens vulneráveis que encontram-se à margem das economias e sociedades. Ao permitir que os próprios jovens planejem e coloquem em prática os programas de prevenção da AIDS, estes terão maiores chances de atender às necessidades do jovens (Veja figura).

Envolvimento dos pais e familiares


Evidentemente, os pais influenciam o comportamento de saúde de seus filhos. Em um levantamento de estudantes dos EUA para ver quem mais influenciava suas decisões sobre sexo, 37% deles citaram seus pais e 30% citaram seus amigos (261). Além dos pais, outros familiares adultos e pessoas da comunidade influenciam o comportamento de saúde dos adolescentes.

Os estudos mostram que os jovens que vivem em ambientes estáveis, positivos e acolhedores, inclusive onde exista super-visão paterna, têm menos chances de correr riscos de saúde (29, 191, 200, 304). O afeto dos pais ajuda a evitar comportamentos adolescentes problemáticos, inclusive a violência e a delinqüência (318). Um estudo feito em uma escola americana mostrou que os alunos de sexta e sétima séries que tinham pais solícitos e atentos tinham menor probabilidade de usar drogas ou de participar de brigas, e maior probabilidade de adiar sua iniciação sexual do que seus colegas cujos pais mantinham-se alheios emocionalmente (355). Existem vários outros estudos que relatam resultados semelhantes (19, 36, 209, 242, 396, 426).

É freqüente os pais dizerem que os jovens devem aprender mais sobre o HIV/AIDS. No Brasil, por exemplo, a grande maioria das mulheres entrevistadas em uma área de baixa renda disseram que não queriam que suas filhas crescessem tão mal informadas sobre o sexo como elas próprias haviam sido (393). Em um estudo feito no Quênia, mais de 75% dos pais de crianças entre 10 a 14 anos de idade disseram que os adolescentes deveriam aprender sobre o HIV/AIDS e outras IST’s na própria escola, bem como sobre o planejamento familiar e outras questões de saúde reprodutiva (177).

Alguns programas para jovens buscaram envolver os pais na educação da saúde reprodutiva, capacitando em seminários e grupos de discussão, oferecendo material impresso, serviços de consulta telefônica direta e outras fontes de informação, além de ilustrar o papel dos pais por meio de apresentações nos meios de comunicação de massa (103, 276). Os melhores programas são geralmente aqueles que permitem o encontro de pais e jovens e estimulam a troca de opiniões (192).

Comunicação entre pais e filhos. A comunicação entre os pais e filhos sobre o sexo é geralmente difícil. Tanto uns como os outros podem não se sentir à vontade para falar de sexo, passando a evitar o assunto (36, 393). Na África do Sul, mulheres adolescentes disseram ter medo de conversar com os pais sobre sexo (217). Em Zimbábue, os jovens declararam que a comunicação com os pais sobre sexo é geralmente unilateral, resumindo-se geral-mente a advertências dos pais quanto aos perigos do sexo (402). No México, os jovens citaram também barreiras à comunicação tais como a falta de tempo, o fato de não se darem bem com os pais, e a falta de confiança em seus conselhos (393).

Em muitas sociedades, os pais tradicionalmente não discutem sexo com os filhos. Este papel é muitas vezes preenchido por avós, tias e tios. Mas agora, com as mudanças por que passam muitas sociedades tradicionais, os pais estão tendo que enfrentar o desafio de discutir com seus filhos a questão do HIV/AIDS e do sexo em geral, tarefa para a qual muitos não estão suficientemente preparados (186, 402).

O HIV/AIDS é um assunto particularmente delicado, que muitos pais preferem evitar. No Quênia, menos da metade dos pais de adolescentes tinham discutido o HIV/AIDS com seus filhos no ano precedente (177). Muitos pais sabem muito pouco sobre o HIV/AIDS e temem não dispor de informação suficiente para dar (36, 120, 133). Nos EUA, os pais declararam que uma razão para a falta de comunicação era o temor de que seus filhos adolescentes pudessem fazer perguntas às quais não saberiam responder (142). Nos países em desenvolvimento, especialmente nas áreas rurais, os pais têm geralmente menor nível de instrução que os filhos e temem não dispor do conhecimento necessário para discutir com eles as questões do sexo (402). A China capacita muitos jovens como conselheiros sobre o HIV e a questão sexual, em parte porque muitos pais não se sentem seguros sobre o que dizer (54).

Mesmo quando os pais discutem sexo com seus filhos, eles podem não fazê-lo da forma mais eficaz. Em Zimbábue, apesar de muitos pais informarem que discutiram a questão da AIDS, nenhum adolescente entrevistado citou os pais como fonte importante de informação sobre a AIDS (402). Um estudo feito nos EUA mostrou que 90% das mães declararam ter conversado sobre sexo com seus filhos, porém apenas dois terços destes confirmaram tais declarações das mães (142).

Muitos pesquisadores concordam que a comunicação entre pais e filhos sobre o HIV/AIDS e a sexualidade deveria iniciar-se bastante cedo para ir evoluindo paulatinamente à medida que a criança vá amadurecendo. Uma única conversa séria sobre sexo, assim que a criança entra na puberdade, será provavelmente forçada e difícil. Mas quando se inicia este tipo de discussão em idade mais tenra, prepara-se a criança para uma discussão mais completa e bem sucedida mais tarde (37). Evidentemente, a comunicação entre pais e filhos tem mais chances de ter sucesso quando o relacionamento entre eles é forte e cercado de afeto.

Nos EUA, a Campanha Nacional para Evitar a Gravidez de Adolescentes preparou 10 conselhos para ajudar os pais a se comunicarem melhor com seus filhos adolescentes sobre a questão sexual (260):

- Deixe claro quais são os seus próprios valores sexuais antes de discutir sobre sexo com seus filhos.
- Discuta sobre sexo freqüentemente e desde cedo com seus filhos.
- Esta deve ser uma discussão e não uma palestra dos pais para os filhos.
- Supervisione e acompanhe as atividades de seus filhos.
- Esteja informado sobre quem são os amigos de seus filhos e como são as famílias destes.
- Não estimule os namoros muito sérios e intensos quando os filhos são ainda muito jovens. Ao invés, estimule-os a participar de atividades em grupos.
- Não estimule namoros em que a diferença de idade seja muito grande, sobretudo no caso das meninas.
- Esteja informado sobre que programas seus filhos vêem na TV e ouvem no rádio e sobre o que lêem.
- Mostre aos seus filhos que você dá alto valor à educação.
- Mostre aos seus filhos que você os valoriza como pessoas. (Veja figura).

Histórias de HIV/AIDS: Os tempos mudaram

A participação dos homens

Os esforços de prevenção do HIV passaram a abordar os jovens e as pressões sociais que levam geralmente a um comportamento arriscado, especialmente as pressões de grupos (85, 160, 187). Os homens cumprem geralmente um papel sexual dominante dentro e fora do casamento. Eles enfrentam maior exposição do que as mulheres aos riscos do sexo desprotegido porque, em média, iniciam-se na vida sexual mais cedo e têm mais parceiras, além de casar-se mais tarde (103, 160). Além disso, muitos homens sentiriam sua imagem de masculinidade comprometida por terem menos parceiras sexuais e por usarem preservativos, que são justamente medidas que contribuiriam para limitar a disseminação do HIV (68, 299, 322).

Para os jovens do sexo masculino, poder discutir seus problemas, inclusive os referentes à sexualidade, e poder obter apoio e compreensão, são passos importantes para evitar o risco. No entanto, muitos rapazes crescem sem a oportunidade de se comunicar (103). No Quênia, por exemplo, menos da metade dos pais informaram que, no ano anterior à entrevista, tinham discutido com seus filhos as questões de sexo, HIV/AIDS ou relacionamentos entre homens e mulheres (177).

As clínicas de saúde criadas especialmente para mulheres adultas e crianças podem não estimular tanto os homens a procurar tais clínicas para obter ajuda (237, 322). Para motivar os homens a cuidar melhor de sua saúde, a UNAIDS lançou, em 2000, uma campanha bianual mundial denominada “Os homens também importam”. A campanha estimula os programas de prevenção da AIDS a criar serviços de saúde onde os homens também se sintam à vontade, sobretudo quando tais serviços funcionam em horários mais convenientes. Recomenda também o treinamento dos profissionais de saúde para que saibam como oferecer aos homens um atendimento e apoio mais confidencial (160).

A apresentação de modelos de conduta, com comportamentos masculinos responsáveis e relacionamentos respeitosos, também pode ajudar os jovens (103, 249). Muitos homens jovens crescem testemunhando o comportamento irresponsável e abusivo dos homens mais velhos com relação às mulheres de sua comunidade e com relação às suas próprias famílias (232). Quando se tornam adultos, estes jovens têm a tendência de adotar estes mesmos comportamentos (119).

Um seminário conduzido nos EUA sobre programas que buscam o envolvimento masculino acabou propondo vários princípios que deveriam orientar a estrutura, concepção e mensagens gerais dos programas de saúde reprodutiva para meninos e homens jovens (249):

- Concentrar-se mais regularmente nos homens. Os esforços para focalizar a atenção nos rapazes e homens devem ser uma parte integral da prestação de serviços de um programa e não um fator só incluído ocasionalmente .

- Entrar em contato com os homens onde quer que estejam. Os programas devem procurar contactar os homens nos lugares onde eles realmente se congregam, inclusive escolas, locais de trabalho, eventos esportivos e quartéis. Os programas devem também usar meios e linguagens que atraiam a clientela masculina.

- Os homens precisam de um lugar seguro. As atividades das quais só participam homens ajudam a criar um ambiente propício onde eles se sentem à vontade para revelar suas preocupações, esperanças e temores.

- Usar adultos como mentores e modelos de conduta para homens mais jovens. Os programas que tiveram mais sucesso para envolver jovens do sexo masculino foram aqueles que incluíram homens adultos. A experiência demonstra que os companheiros um pouco mais velhos— homens 5 a 7 anos mais velhos—conseguem se comunicar com os adolescentes de forma mais eficaz.

- Aproveitar a cultura local. Os programas conseguem mais resultados positivos quando entendem e respeitam os valores culturais e religiosos locais.

- Localizar o programa no seio da comunidade. Os programas de sucesso são aqueles que consultam a comunidade antes de planejar suas atividades, evitando assim a desconfiança. O envolvimento da comunidade também ajuda a manter os programas sempre em funcionamento. (Veja figura).

Como atingir os jovens que correm riscos especiais

Alguns grupos de jovens correm um risco acima da média de contrair o HIV/AIDS (310). Para alguns, o HIV/AIDS é uma ameaça sempre presente pois sua pobreza força-os a suportar situações que os colocam em risco. Os trabalhadores do sexo adolescentes e os jovens que vivem na ruas são alguns dos que vivem sob estas condições de desvantagem. Por exemplo, em Vijayawada, uma cidade de Andhra Pradesh, Índia, quase metade dos 25.000 meninos e meninas de rua tinha alguma IST e 30% estavam infectados com o HIV (13). Em Jacarta, na Indonésia, uma de cada sete crianças de rua já tinha tido algum tipo de IST (247).

Menos visíveis são os jovens incapacitados fisicamente, refugiados, internados em instituições ou trabalhando em condições em que são facilmente explorados, tais como o trabalho doméstico. No Brasil, 10% das mulheres jovens alojadas em uma instituição estatal para desamparados e delinqüentes já estavam infectadas com o HIV (425), comparadas a menos de 0,5% das mulheres jovens da população em geral (162).

Devido à predominância de jovens entre os militares, eles enfrentam riscos acima da média de contrair IST’s, inclusive o HIV/AIDS (33, 322). Segundo estimativas recentes, a prevalência das IST’s é de duas a cinco vezes mais alta entre os militares do que na população em geral em tempo de paz, chegando a 50 vezes em tempo de guerra (148). Nas forças militares de alguns países africanos, a prevalência do HIV variava de 10% a 60%, de acordo com estimativas do Conselho de Inteligência Nacional dos EUA (268).

Alguns programas procuram atuar junto aos jovens de alto risco. Por exemplo, no Brasil, um projeto tenta evitar o abuso de garotas de 10 comunidades diferentes e reduzir o número delas que acabam se tornando trabalhadoras do sexo. Nenhuma das 850 adolescentes que participaram do programa até agora retornou às gangues de rua ou prostituiu-se (156).

Outro programa do Brasil, Movimento Saúde No Verde, recrutou profissionais de saúde para oferecer tratamento a jovens abandonados nas ruas (82).

Os programas de extensão na área de HIV/AIDS podem encontrar os jovens nos locais onde passam a maior parte do tempo (37). A maioria dos programas que se aproximam dos jovens de rua o fazem segundo os termos e condições dos próprios jovens, usando o sistema de instrução ministrada por companheiros e outros adultos, em quem os jovens já confiam. Alguns programas envolvem os próprios familiares, porém isto nem sempre funciona. Por exemplo, nos EUA, um esforço de enviar os garotos de rua de volta às suas famílias ou tutores fracassou, porque muitos dos jovens fugiram ou seus pais ou tutores os rejeitaram (387).

No Nepal, alguns programas tentaram levar de volta às suas famílias as moças que haviam sido traficadas à prostituição. Mas muitas vezes as famílias não aceitavam as moças de volta, temendo a censura social ou o ostracismo devido ao estigma associado ao HIV/AIDS. Além disso, alguns pais temem a reação do traficante, particularmente quando foram os próprios pais que consentiram em enviar a jovem ao trabalho do sexo (56).

Na Guatemala, a ONG Casa Alianza organiza equipes de apoio que oferecem aos jovens de rua um atendimento médico de emergência, informações sobre o HIV, educação informal e aconselhamento (326). Na Tailândia, um programa consegue atingir os jovens de alto risco ao conseguir a cooperação dos gerentes de discotecas, bares e outros locais noturnos onde os jovens se reúnem (85). No Nepal, algumas ONGs oferecem apoio jurídico a mulheres jovens traficadas que buscam processar seus raptores, o que é geralmente um processo longo e complicado, que pode levar mais de dois anos para os tribunais resolverem (56).

É sempre um desafio conseguir aproximar-se da juventude mais desfavorecida. Para alguns jovens, as condições imediatas da vida diária são tão adversas que eles nem se preocupam com a possibilidade de contrair o HIV/AIDS. Outros não conseguem se proteger contra as infecções. Muitos não contam com nenhum protetor adulto e não dispõem de recursos próprios (27).

Mesmo assim, os programas podem tratar do HIV/AIDS entre os desfavorecidos fazendo chegar a eles informações e serviços e, ao mesmo tempo, tratando das causas básicas que os expõem aos riscos (15, 104, 342). Os programas conseguem melhores resultados quando são mais abrangentes e prestam não só informações e aconselhamento sobre o HIV/AIDS, mas também habitação, atendimento médico, serviços de saúde mental, tratamento do abuso de drogas, educação, capacitação para o trabalho e serviços jurídicos (15, 310, 407). Por exemplo, quando um projeto no Brasil ajudou jovens de rua a lidar com suas necessidades diárias para sobreviver ao invés de simplesmente oferecer-lhes materiais educacionais de saúde, mais jovens passaram a visitar as instalações de saúde que participam do projeto (145). (Veja figura).

Fazendo associações com a própria juventude

Em geral, os programas para a juventude funcionam melhor quando os próprios jovens ajudam a planejá-los e conduzi-los (194, 347, 375). O envolvimento infunde nos jovens a percepção de que fazem parte real do programa e ajuda-os a preparar-se em técnicas tais como administração, organização e tomada de decisões (129, 179, 347, 411). Também ajuda a garantir que os serviços e mensagens atendam às necessidades da população jovem.

A tarefa de envolver a juventude nestes esforços não é fácil. A rotatividade pode chegar a níveis muito altos entre os membros mais jovens dos programas (347). Também poderão surgir questões legais, tais como leis trabalhistas que restringem o emprego de menores. A participação da juventude também exige uma mudança organizacional, já que a organização e os jovens envolvidos têm que compartilhar uma visão e concordar sobre os objetivos. Além disso, o ensino e o aconselha-mento dos jovens pode consumir muito tempo valioso (375).

O envolvimento da juventude tem maiores chances de prosperar quando os líderes do programa estão empenhados no seu sucesso. Além disso, o pessoal poderá necessitar de treinamento para aprender a trabalhar com a juventude de forma mais eficaz, para aprender a ser mais flexível, a aconselhar, a entender a cultura dos jovens e a discutir assuntos delicados de formas que deixam todos à vontade. A Iniciativa de Marketing Preventivo do Centro de Controle de Doenças dos EUA já usou tais técnicas de treinamento em exercícios de representação invertida de papéis, os quais ajudam os adultos a examinar seu comportamento com os olhos da juventude (375).

Os programas podem envolver a juventude de várias formas. Um programa na América Latina listou várias atividades nas quais os jovens podiam participar, dando-lhes a opção de escolher aquelas em que se sentiam mais à vontade (231). Mas é preciso selecionar com cuidado as atividades nas quais a juventude pode se envolver. Por exemplo, um jovem pode servir como recepcionista em uma clínica e, assim, deixar mais à vontade os outros jovens que a visitam, porém poderá ser necessário limitar seu acesso ao histórico médico de pacientes para proteger a confidencialidade destes (421).

A vantagem de envolver os clientes no planejamento e administração dos programas que lhes servem já é bastante reconhecida. Apesar do engajamento sistemático dos jovens ser mais a exceção do que a regra nos programas de combate ao HIV/AIDS, um número crescente de programas continua envolver os jovens (328, 411). Estes esforços oferecem grande promessa para o futuro.

Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs, The Johns Hopkins School of Public Health, 111 Market Place, Suite 310, Baltimore, Maryland 21202-4012, USA