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Mulheres de Favela Ensinam Vizinhas a se Proteger Contra Aids

Por Maria Pia Palermo

SÃO PAULO (Reuters)
- Bater de porta em porta para ter uma "conversa de mulher" é o que fazem há quase dois anos moradoras da favela de Inajar, em São Paulo, para ajudar suas vizinhas a conhecer os riscos de transmissão e as formas de prevenir a Aids.

As integrantes do Projeto Favela Inajar esquecem a timidez e os preconceitos para falar de sexo, explicar como devem ser usadas as camisinhas masculina e feminina, o que significa doença sexualmente transmissível (DST), Aids e aborto.

Jailda Moreno dos Santos, 34, conhecida como Pinha, conta que, além da transformação que viveu, sua maior satisfação é poder passar a suas vizinhas, conhecidas e amigas o que aprendeu no projeto.

"A Pinha de antes do projeto era meio contida. Hoje estou mais desenvolvida, me familiarizando mais com as pessoas."

Para provar que a timidez é coisa do passado, Pinha afina a voz e repete a música que interpreta em um vídeo sobre o projeto: "Eu quero sair, eu quero falar, eu quero ensinar meu vizinho a cantar...". Para ela, ensinar o vizinho a cantar é ensinar as pessoas a viverem sem o vírus da Aids.

Iniciado há dois anos, o projeto tem a coordenação da psiquiatra Carmen Fusco e o apoio do Programa de Cooperação Técnica Bilateral Brasil-França dos Ministérios da Saúde dos dois países.

Fusco iniciou seu trabalho pesquisando o perfil feminino da favela, com uma população total de aproximadamente 2.000 pessoas que nunca havia recebido educação em saúde.

Os dados do primeiro levantamento da coordenadora, feito com mais de 100 mulheres entre 12 e 49 anos, mostram que 63 por cento das entrevistadas haviam iniciado sua vida sexual entre 10 e 17 anos, 78 por cento não usavam preservativo e 88 por cento delas tinham noção de como o HIV, vírus causador da Aids, era transmitido -- mas apenas 6 por cento haviam obtido essa informação de profissionais da saúde. Além disso, 62 por cento acreditavam que não corriam risco de infecção.

O projeto surgiu por causa do aumento do número de mulheres contaminadas, pelo número absurdo de adolescentes grávidas e para tentar obter mudanças no comportamento mais duradouras, que as campanhas massivas de prevenção acabam não conseguindo.

AIDS: UMA DOENÇA CADA VEZ MAIS FEMININA

A situação da Aids entre as mulheres no Brasil -- e no mundo -- sofreu uma grande alteração nos últimos anos. Em meados da década de 80 a doença atingia uma mulher para cada grupo de 25 homens, e hoje a média nacional é de dois homens para cada mulher. Mas, segundo dados do último boletim sobre HIV/Aids do Ministério da Saúde, em 229 municípios (a maioria com menos de 50 mil habitantes) essa proporção entre homens e mulheres já se inverteu, atingindo principalmente donas de casa com idade entre 20 e 39 anos.

Com a mudança do foco de grupos de risco aos de maior vulnerabilidade, as mulheres passaram a ser alvo de programas de organizações não-governamentais (ONGs) e de grupos da sociedade civil.

"Além da vulnerabilidade biológica da mulher para se infectar, há a dificuldade de negociar a relação sexual, sua maior dependência financeira, submissão, baixa autopercepção de risco", diz a psiquiatra. "Mas, apesar disso, ela é uma peça-chave dentro dessas comunidades carentes, por sua mobilização."

O risco da transmissão vertical (da mãe para o bebê) e o aumento dos chamados órfãos da Aids, são outros fatores preocupantes que decorrem da expansão da epidemia entre mulheres.

Para a coordenadora do projeto de Inajar, desse tempo de dedicação, os maiores trunfos foram "o aumento de conhecimentos corretos sobre a Aids, sua transmissão (98 por cento sabem que se transmite por sexo e 81 por cento conhecem os meios principais), na autopercepção de risco, em que também houve uma melhora (o número de mulheres que não se sentia exposta ao risco passou de 62,22 por cento para 44 por cento), assim como no risco de transmissão vertical".

A pesquisadora ressalta também que, das mulheres entrevistadas, 96 por cento afirmaram ter relação sexual com apenas um parceiro. "Isso prova o baixo índice de promiscuidade feminina e por isso este ano nas campanhas se faz um apelo aos homens para que também participem dessa luta."

Segundo Fusco, no que se refere ao uso de camisinha, cujo resultado não foi muito significativo no espaço de um ano entre um levantamento e outro (de 17 por cento que disseram usar sempre passou para 20 por cento), a pesquisa só reforça sua tese de que mudança de comportamento se obtém com um trabalho de campo prolongado, de três a cinco anos.

Sinopse preparada por Reuters Health

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