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Saúde Reprodutiva na América Latina: Uma Questão de Saúde Pública

De acordo com a biblioteca do departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, “Saúde Reprodutiva é um conceito empregado desde a década de 80, adquirindo expressão como área de conhecimento em 1994 e que envolve os eventos biológicos, psicológicos e sociais relacionados à reprodução humana”.

Já a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo em 1994, define Saúde Reprodutiva como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo, suas funções e processos, e não a simples ausência de doença ou enfermidade”.

Portanto, falar sobre saúde reprodutiva inclui homens e mulheres, em todas as etapas da vida para além do período reprodutivo, independentemente da orientação sexual.

O estudo da Saúde Reprodutiva envolve abordar temas tais como: Saúde Materna (gestação, parto e puerpério); Aborto; Saúde Perinatal; Climatério; Morbimortalidade associada à reprodução; Contracepção/Planejamento Familiar; Esterilização, idades limites da reprodução, aborto, Sexualidade; DST/AIDS; Violência sexual e doméstica; Direitos Reprodutivos; Fertilidade e Reprodução assistida; Relações de Gênero; Ética e Reprodução; Maternidade/Paternidade; Aleitamento e Transmissão vertical de doenças.

Na América Latina, assim como em outros continentes em desenvolvimento, a Saúde Reprodutiva é, principalmente, uma questão de saúde pública, tendo em vista que ainda se está procurando formas de conter o avanço populacional e de doenças sexualmente transmissíveis, em especial a Aids.

Trata-se de um continente que tem por que se preocupar com vários dos itens abordados pela Saúde Reprodutiva, muitos dos quais influenciados, como veremos abaixo, por problemas sociais, econômicos, e, principalmente, educacionais. A Saúde Reprodutiva, assim como é uma questão urgente de Saúde Pública, é também uma questão a ser tratada no âmbito da Educação, tendo em vista que várias se suas desordens poderiam ser tratadas do ponto de vista preventivo.

Maternidade

Vejamos, por exemplo, a questão da maternidade, um dos temas da Saúde Reprodutiva. Entre adolescentes, a maternidade é mais comum nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, de acordo com o resumo traduzido do relatório em inglês, Into a New World: Young Women's Sexual and Reproductive Lives, produzido pelo The Alan Guttmacher Institute.

“Nos países em desenvolvimento, muitas vezes, cerca de 25% a 50% de jovens tiveram seu primogênito antes de completarem 18 anos de idade. Em contraste, nos países desenvolvidos e em pequeno número de países em desenvolvimento, menos de uma entre 10 jovens têm filhos precocemente”. Daí se presume que a precocidade da gravidez também é uma questão sócio-ecônomica e cultural.

Para o psicólogo Fernando Falabella Tavares de Lima, “em muitos casos, a gravidez precoce também denuncia um desejo por parte da adolescente, que pode encontrar, através de um filho, um pretexto para sair de casa, ser independente, tornar-se mulher, ou, simplesmente, segurar um namoro”.

Ele afirma, portanto, que nem sempre a gravidez precoce é uma gravidez indesejada. Segundo este psicólogo, fortalecer, através da educação, uma atitude mais consciente em relação à gravidez é uma forma de prevenir, para estas jovens, uma série de problemas futuros.

De acordo com The Alan Guttmacher Institute, o casamento precoce e, especialmente, a gravidez, podem realmente exercer impacto profundo e duradouro no bem-estar e educação da mulher, e em sua capacidade de contribuir para a comunidade.

“Até agora, complexos fatores físicos, familiares e culturais, muitas vezes mal interpretados, determinam quem casa e quando casa; quem inicia atividade sexual antes do casamento; quem engravida durante a adolescência; e quem pode ter filhos fora do casamento”, aponta o seu relatório.

Consta neste relatório internacional que, em quase todo o mundo, a maioria das mulheres torna-se sexualmente ativa na adolescência. Do ponto de vista numérico, esse contingente pode chegar a cerca de 50% na América Latina e no Caribe, alcançar a 75% em grande parte dos países desenvolvidos e ultrapassar 90% em muitos países da África sub-Saariana.

Este fato se explica por que, segundo este estudo, em algumas sociedades, as mulheres começam sua vida sexual na adolescência, pois se espera que se casem e comecem a procriar cedo. Em outras, o casamento normalmente ocorre mais tarde, mas é comum o início da atividade sexual antes do casamento. Anualmente, cerca de 14 milhões de mulheres entre 15 a 19 anos de idade se tornam mães ao redor do mundo.

Este importante estudo alerta para o fato que a atividade sexual na adolescência acarreta certos riscos que não podem ser esquecidos. “Por exemplo, as mulheres que se casam cedo muitas vezes têm pouca voz nas decisões sobre procriação e limitadas oportunidades de educação e de desenvolvimento de aptidões para o trabalho”, exemplifica o relatório, acrescentando que “as mulheres solteiras que engravidam podem ter que decidir se fazem um aborto, ou tentam criar sozinhas seus filhos.

Tanto as mulheres casadas como as solteiras são vulneráveis às doenças sexualmente transmissíveis e aquelas que têm filhos muito cedo, ou com freqüência, correm o risco de prejudicar sua saúde”. Em qualquer hipótese, fica clara a necessidade de se trabalhar a questão do planejamento familiar preventivo como sendo uma das principais questões estudadas pela Saúde Reprodutiva.

É importante ressaltar que adiar o casamento para depois da adolescência apresenta vantagens para as mulheres, mas também as torna vulneráveis a certos riscos.

De acordo com os dados levantados para este relatório produzido pelo The Alan Guttmacher Institute, a mulher que adia o casamento pode ser capaz de prosseguir sua educação, é mais independente e influente nas suas escolhas profissionais e afetivas. Por outro lado, também é mais provável que se envolva em relações sexuais, o que implica o risco de gravidez indesejada e de contágio de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).

Por conseqüência, diante de uma gravidez indesejada, a mulher solteira precisa decidir entre ter um filho fora do casamento ou submeter-se ao aborto; em países, como o Brasil, em que o aborto induzido é ilegal ou não é facilmente acessível, muitas mulheres recorrem a procedimentos clandestinos.

Adiar a maternidade traz inúmeros benefícios às mulheres jovens, pois garante-lhes mais tempo para se educarem, desenvolverem aptidões que realcem sua capacidade de cuidar da família, e concorrerem no mercado de trabalho.

“Esse adiamento também pode exercer impacto dramático na taxa de crescimento demográfico global e nacional. Em muitos países em desenvolvimento, a mulher que tem o primeiro filho antes dos 18 anos de idade, terá em média, sete filhos.

O adiamento da primeira gravidez, para depois dos 20 anos de idade, reduz o número médio de partos a cinco”, comprovam os dados levantados e analisados pelo The Alan Guttmacher Institute.

A questão da educação é provada, com dados, pelo estudo americano, que aponta que a probabilidade de mulheres de 20 a 24 anos de idade, em algumas regiões da Ásia, terem tido seu primeiro filho na adolescência é 20% menor que a de mulheres entre 40 a 44 anos de idade, que tiveram, proporcionalmente, menos acesso à escola.

Planejamento Familiar no Brasil – alguns dados

De acordo com o Ministério da Saúde brasileiro, o uso de métodos anticoncepcionais ainda é pouco difundido no País. Para se ter uma idéia, 45,9% das jovens entre 15 e 19 anos de idade, sexualmente ativas, não utilizam nenhum método anticoncepcional, embora 72% manifestem a vontade de usá-los.

Como conseqüência imediata disso, nesta mesma faixa etária, 18% das adolescentes já ficaram grávidas alguma vez, e uma em cada três mulheres de 19 anos já é mãe ou está grávida do primeiro filho. Uma em cada dez mulheres entre 15 e 19 anos já tem dois filhos, sendo que 49,1% destas crianças não foram planejadas.

Este índice é mais evidente entre as adolescentes da área rural, onde 20% já possuem pelo menos um filho, contra 13% das adolescentes residentes em áreas urbanas.

Mais contundente ainda ficam os números de gravidez precoce entre as adolescentes de baixa escolaridade: 54% das que não tem escolaridade alguma já ficaram grávidas, quando apenas 6,4% das com mais de nove anos de freqüência escolar já eram mães ou estavam grávidas pela primeira vez. Da mesma forma, a região norte também reúne mais adolescentes grávidas do que as outras regiões – são 20% das jovens entre 15 e 19 anos que já possuem pelo menos um filho, contra 9% região centro-oeste.

Doenças Sexualmente Transmissíveis

Além da questão da gravidez precoce, a não utilização de contraceptivos como a camisinha traz outras e sérias conseqüências. Segundo o relatório do The Alan Guttmacher Institute, em nenhum país em desenvolvimento não mais que 8% das adolescentes casadas usam camisinha, o único método contraceptivo que também é efetivo na prevenção da disseminação do HIV e das DSTs.

Em algumas áreas, porém, se começa a fazer caso das mensagens sobre o papel da camisinha na prevenção de doenças. Em vários países da América Latina e nos Estados Unidos, as adolescentes solteiras sexualmente ativas são duas vezes mais propensas ao uso da camisinha do que as adolescentes casadas.

Como as DSTs nas mulheres muitas vezes não apresentam sintomas iniciais, muitas podem não ter consciência de que estão infectadas e, com isso, podem deixar de procurar tratamento.

As DSTs não tratadas podem ter efeitos devastadores sobre a saúde, alerta o The Alan Guttmacher Institute, como, por exemplo, a diminuição da fertilidade, dores pélvicas crônicas, câncer cervical e efeitos adversos em bebês de mulheres que estavam infectadas durante a gravidez. “Além disso, metade das infecções de HIV ocorrem entre pessoas de menos de 25 anos de idade”, cita o relatório.

A conclusão do relatório é que todas as jovens, independentemente de serem sexualmente ativas, de estarem grávidas ou de serem mães, necessitam de serviços de saúde reprodutiva.

É enfática a conclusão de que os adolescentes de hoje precisam de orientação e apoio da família e da comunidade e da atenção de um governo comprometido com seu desenvolvimento para que possam exercer, no futuro, suas funções como pais, trabalhadores e cidadãos.

“É, portanto, universal a necessidade de informações corretas e de educação - tanto das meninas e mulheres jovens quanto dos meninos e rapazes que se tornarão seus parceiros sexuais e maridos”, diz o The Alan Guttmacher Institute em seu relatório que enfatiza que as crianças e jovens muitas vezes tomam conhecimento de assuntos sexuais pelos colegas, irmãos, pais e pelos meios de comunicação, mas as informações recebidas são em geral limitadas e podem não ser corretas.

“A instrução formal, adequada à idade e características de cada jovem constitui importante fonte de informação sobre sexualidade, gravidez, procriação, anticoncepção e prevenção de DSTs”.

Os programas de grande alcance de educação sexual, portanto, são essenciais como parte de um bom programa de Saúde Reprodutiva e de uma correta política de Saúde Pública, devendo estar integrado aos sistemas educacionais públicos e privados.

“Os governos, juntamente com outras instituições e a mídia, têm um papel a desempenhar no melhoramento da possibilidade das mulheres se protegerem contra a gravidez não desejada e às DSTs”, ensina o relatório, que aponta a necessidade de concentrar esforços especiais também para educar e motivar os homens para que cooperem com suas parceiras sexuais, usando contraceptivos para prevenir a gravidez não desejada e preservativos para evitar a disseminação de doenças.

Da mesma forma, é primordial que se disponha de serviços para o diagnóstico e tratamento das DSTs, bem como de informações sobre o risco de infecções, prossegue o relatório, que insiste que as adolescentes precisam ter acesso a uma série de serviços contraceptivos que respondam às suas necessidades específicas, inclusive sua situação conjugal, número de parceiros e intenções relativas à fecundidade.

Segundo a USAID, o apoio para a melhoria da sáude reprodutiva da mulher no Brasil é canalizado através de várias organizações não governamentais norte-americanas, entre elas a Fundação Pathfinder, a IPPF - International Planned Parenthood Federation, JHU - Universidade Johns Hopkins, o Projeto PROFIT, SOMARC - Social Marketing for Change, OPTIONS e FHI - Family Health International.

Entre as organizações brasileiras podemos citar o programa Viva Mulher no Ceará, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, a BEMFAM, a Maternidade Escola no Ceará, além de vários outros serviços de saúde, hospitais e clínicas que prestam serviços a mulheres de baixa renda.

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