Artigos de saúde
Várias pessoas desconhecem a existência do
direito legal em aceitar ou recusar um tipo de tratamento terapêutico que possa prolongar
a sua vida, em caso de doença grave ou estado terminal. O que fazer nestas situações?
Quem responde é o advogado Ricardo Massara Brasileiro, que também é professor da
Faculdade de Direito Milton Campos e orientador da Divisão de Assistência Judiciária da
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
Segundo o advogado, nas relações entre médico e paciente, não é raro observar certo
desequilíbrio: alguém já fragilizado defronte ao profissional médico, um quase
portador dos dons divinos da cura. Muitas vezes assim mesmo o crêem as partes envolvidas,
o enfermo, que na área médica deposita todas suas esperanças de melhora, e o médico,
que em algumas vezes, apenas determina o tratamento.
Contudo, não bem assim ditam as regras da cortesia, do profissionalismo e do bom
convívio humano: quando se quer ou se almeja algum respeito, deve-se aos outros bem ter e
respeitar. Não quer um médico, lúcido, mas debilitado por uma doença qualquer, ao
consultar-se com um especialista, ter menosprezado todo o seu ainda que genérico
conhecimento sobre o assunto. Ou mais: não gostaria um médico, afligido por uma demanda
judicial, ao consultar-se com um outro profissional, ter a si apresentada uma substanciosa
nota de serviço contra um único elucidativo e afagoso “deixe comigo”.
Felizmente quer-se que pertença ao passado esse tipo de profissional. Assim,
determinações, em tradução livre, do International Code of Medical Ethics of the
World Medical Association, de 1949:
“Um médico deve sempre manter os mais
elevados padrões de conduta profissional”; “Um médico deve ao seu paciente
completa lealdade [...] De similar modo, disposições do atual Código de Ética Médica,
do Conselho Federal de Medicina, entre outras:
“Art. 1o. – A Medicina
é uma profissão a serviço do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem
discriminação de qualquer natureza“;
“Art. 32 – [É vedado ao médico]
Isentar-se de responsabilidades de qualquer ato profissional que tenha praticado ou
indicado, ainda que este tenha sido solicitado ou consentido pelo paciente ou seu
responsável legal”;
“Art. 46 – [É vedado ao médico] Efetuar qualquer
procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu
responsável legal, salvo iminente perigo de vida”;
“Art. 48 - [É vedado ao
médico] Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir
livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar”;
“Art. 53 – [É vedado ao
médico] Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente, ao exercer a profissão em
qualquer instituição na qual o mesmo esteja recolhido independentemente da própria
vontade. Parágrafo único: Ocorrendo quaisquer atos lesivos à personalidade e à saúde
física ou psíquica dos pacientes a ele confiados, o médico está obrigado a denunciar o
fato à autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina“;
”Art. 56 -
[É vedado ao médico] Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a
execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo
de vida“;
Art. 59 - ”[É vedado ao médico] Deixar de informar ao paciente o
diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a
comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a
comunicação ser feita ao seu responsável legal“;
”Art. 64 - [É vedado ao
médico] Opor-se à realização de conferência médica solicitada pelo paciente ou seu
responsável legal“;
”Art. 70 - [É vedado ao médico] Negar ao paciente acesso
ao seu prontuário médico, ficha clínica ou similar, bem como deixar de dar explicações
necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para
terceiros“, comenta Dr. Ricardo.
Autonomia e autodeterminação
Para o advogado, vislumbra-se, portanto, não somente nestes, mas em diversos diplomas de
deontologia médica, a existência de inúmeras considerações respeitosas ao clinicado.
Chega-se mesmo a erigir como um basilar princípio de ética médica o do respeito à autonomia
e à autodeterminação do paciente, princípio do qual decorrem inúmeros
direitos, dentre os quais o direito a um tratamento respeitoso, o direito à completa
informação médica, este que, de fato, pressuposto da autodeterminação, e o supramencionado
direito de não se sujeitar a um tratamento prescrito.
Dr. Ricardo Massara Brasileiro acrescenta que “bioeticistas norte-americanos discutem a
um tanto especulativa questão: em que circunstâncias seria eticamente justificável sujeitar
um médico e seu paciente a determinado tratamento, ainda quando existente uma resolução
deste em contrário? E freqüentemente se a tem respondido da seguinte forma: quando o paciente
não for competente para recusar, sendo esta também a posição dos tribunais. (A propósito:
CULVER, Charles M. Competência do Paciente. In: SEGRE, Marco e COHEN, Cláudio
(Org.). Bioética. 2 ed. São Paulo: Edusp, 1999, pp. 62/73). Ora, salvo os casos
de comunicação e tratamento compulsórios, não querendo um enfermo sujeitar-se a
tratamento médico, basta que não procure algum”.
“Entre nós, parece ainda mais especulativo o questionamento: num país de
desassistidos pela saúde, qual o espaço para os que a renegam? Ademais, não obtido o
consentimento do paciente ou de seus familiares, quem arcará com os custos cirúrgicos e
de internação? Uma polêmica levantada pelo advogado acrescentando ainda que, não
obstante essas peculiaridades, a questão ainda persiste e se pode responder da seguinte
forma: pode o médico intervir, ainda que sem o consentimento do paciente ou de seu
representante legal, quando tiver sua atuação justificada por iminente perigo de vida
daquele, de acordo com o artigo. 146, parágrafo 3o, I, do Código Penal, e
artigos 46, 51 e 56 do Código de Ética Médica)”.
Finalizando o advogado frisa que ainda que
noutros casos, segundo a doutrina norte-americana, fosse lícito ao médico intervir,
quando da incompetência ou incapacidade do enfermo, tem-se que poucos são aqueles que
sobrelevam a não-esclarecida posição do paciente ou de seus familiares, seja pelas
razões já declinadas, seja pelo receio da persecução judicial da reparação de
suposta violação de direitos. Acerca das
questões éticas envolvidas com essa postura do simples acatamento, ele lembra o autor
Willian Saad Hossne, no artigo Competência do Médico.
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