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Depressão infantil

Neste artigo:

- Introdução
- Manifestações clínicas
- Etiologia
- Fatores orgânicos
- Fatores genéticos
- Fatores ambientais
- Diagnóstico
- Situações que devem ser valorizadas
- Abordagem terapêutica
- Conclusão
- Referências

Introdução

A depressão infantil vem se tornando mais comum nas últimas décadas: o que na época dos nossos pais era um distúrbio quase desconhecido, hoje afeta uma em cada 20 crianças abaixo dos dez anos de idade, sendo cinco vezes mais comum em meninos que em meninas.

Para uma pessoa adulta, enfrentar uma crise de Depressão é um desafio respeitável, algo como bater de frente com um maciço elefante de tristezas e frustrações. Imagine agora alguém com um décimo da sua bagagem de vida tendo que enfrentar o mesmo elefante... No mínimo, uma covardia. No máximo, uma carnificina.

O problema maior (e o grande risco) da Depressão Infantil está no fato dos critérios médicos utilizados para determinar se uma criança sofre ou não de depressão serem os mesmos aplicados para pacientes adultos. Entretanto, as manifestações da Depressão Infantil podem ser absolutamente diferentes e inespecíficas, dificultando bastante sua detecção. Já presenciei casos de crianças rotuladas como difíceis, rabugentas e mal-educadas, quando, na verdade, eram apenas pequenos seres humanos sofrendo de crises depressivas severas. E ninguém parecia estar entendendo coisa alguma.

Se não for diagnosticada e tratada corretamente, a Depressão Infantil pode afetar o rendimento escolar, o desenvolvimento emocional normal e a estabilidade de toda a família, resultando em uma maior incidência de violência doméstica, abuso de drogas e até mesmo suicídio (pesquisas recentes mostram que crianças deprimidas possuem um risco de suicídio 500% maior em relação à população geral).

Manifestações clínicas

De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatísticas dos Distúrbios Mentais - Quarta edição (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, ou DSM-IV), os principais sintomas da depressão incluem:

- Tristeza ou melancolia ou irritabilidade persistentes.
- Desinteresse ou falta de satisfação na maioria das atividades diárias, quase todos os dias.
- Alterações significativas no apetite ou no peso corporal.
- Dificuldade em dormir (insônia) ou sono excessivo (hipersonia).
- Lentidão física ou agitação.
- Fadiga ou baixos níveis de energia geral.
- Sensação de inutilidade ou culpa sem motivo.
- Dificuldade para tomar decisões, de raciocínio ou de concentração.
- Pensamentos recorrentes de morte ou suicídio.

O DSM-IV recomenda que, para ser diagnosticada com Depressão, a pessoa deve apresentar cinco ou mais dos sintomas acima durante pelo menos duas semanas consecutivas. E aqui começa a armadilha.

As crianças não possuem vocabulário suficiente para expressar seus sentimentos. Em geral, fazem isso melhor através de atitudes. E quem tem paciência hoje em dia para prestar atenção em atitudes que perturbam? Quem nunca criou um rótulo instantâneo para comportamentos irritantes de um filho ou sobrinho? Infelizmente, em alguns casos, a pirraça ou a agitação ou a sonolência eram manifestações de um quadro depressivo.

Por exemplo, uma criança com menos de seis anos de idade que se torna muito séria, desinteressada, não quer ir para a escola, se queixa freqüentemente de cansaço, dor de cabeça ou dores na barriga associadas a medos irracionais, pode estar sofrendo de Depressão.

Agressividade com os colegas, baixo rendimento escolar e comprometimento do ritmo de aprendizado são manifestações comuns da Depressão em crianças em fase escolar e devem servir de alerta para pais e professores.

Todos estes sintomas são pouco específicos, e exatamente por isso a depressão só é diagnosticada tardiamente em mais de 60% das crianças.

Muitas crianças deprimidas apresentam outras alterações psiquiátricas associadas, tais como distúrbio da Ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade, tendências suicidas, abuso de substâncias como colas ou bebidas alcoólicas, que podem mascarar o diagnóstico de Depressão, retardando o tratamento adequado.

A tabela I faz um comparativo dos sintomas de depressão entre crianças e adultos

TABELA I - COMPARATIVO DE SINTOMAS
ADULTOS CRIANÇAS

- Melancolia, tristeza.
- Dificuldade em sentir-se bem com a própria vida.
- Alterações de peso.
- Distúrbios do sono.
- Sensação de lerdeza ou de aceleração das sensações.
- Fadiga.
- Sentimento de inutilidade ou culpa.
- Dificuldade de concentração.
- Pensamentos suicidas.
- Psicoses e paranóias

- Irritação, agressividade, choro fácil, pirraças frequentes.
- Difícil de motivar, não possui aquele comportamento curioso, explorador, típico da infância. Pode mostrar-se arredia e não querer ir para a escola.
- Dificuldade para ganhar peso.
- Dificuldade para pegar no sono ou para permanecer dormindo.
- Agitação, impulsividade, hiperatividade, não pára sentada um segundo sequer.
- Tira vários cochilos por dia e mesmo assim diz que está cansada para passear ou até mesmo para brincar.
- Faz comentários negativos sobre si mesma ("você me odeia", "eu sou burra", etc).
- Desorganização, déficit de atenção (você fala, fala e fala, e a criança parece ter escutado coisa alguma).
- Fala sobre morte dizendo "queria nem ter nascido" ou "preferia estar morta".
- Medos irracionais, necessidade permanente de segurança, vê monstros e perigos por toda parte.

Etiologia

Não existe uma causa única. A maioria dos especialistas concorda que a Depressão Infantil resulta de uma combinação de fatores orgânicos, genéticos e ambientais.

Fatores orgânicos

O comportamento deprimido pode ser um sintoma de doenças de cunho orgânico, tais como anemia, hipotireoidismo, diabetes, infecções, etc. Neste caso, a depressão não está relacionada apenas a alterações psiquiátricas, e a eliminação do fator orgânico (p.ex.: correção da anemia) soluciona também o distúrbio depressivo.

Fatores genéticos

Uma personalidade mais introspectiva ou autocrítica de padrão hereditário pode aumentar o risco de a criança desenvolver distúrbios depressivos. É fato que crianças de pais que possuem alterações psiquiátricas apresentam uma maior incidência de problemas como ansiedade, depressão, déficit de atenção, etc.

Fatores ambientais

As crianças são o termômetro da casa, atuando como para-raios das tempestades conjugais. Apesar de alguns especialistas afirmarem que "ainda não está bem determinado com que intensidade a personalidade dos pais é capaz de influenciar o desenvolvimento da Depressão Infantil", eu vejo a coisa de um modo mais simples. E considero este tipo de afirmação uma enorme bobagem.

A experiência mostra que pais estressados ou deprimidos cobram mais e fazem mais comentários negativos, tornando a criança mais vulnerável à Depressão. O mesmo vale para lares instáveis, onde as tensões e os conflitos familiares repercutem psicologicamente na criança. Não é preciso ter PhD em neuropsiquiatria para perceber isto.

Então a atenção irrestrita dos pais seria a solução para evitar a Depressão infantil? Nem tanto. Pesquisadores demonstraram que pais superprotetores podem inibir o desenvolvimento emocional dos seus filhos. Esta interferência no ritmo natural do amadurecimento, aliada ao estresse da super-vigilância, termina aumentando o risco para Depressão Infantil. O segredo, como sempre, não está nas pontas: está no meio, no equilíbrio entre o racional e o emocional. Algo que nossos avós chamavam simplesmente de Bom-Senso.

A perda de colegas ou entes queridos, presenciar desastres ou cenas fortes, mudar de cidade ou escola, ou ser vítima de abuso sexual ou psicológico também podem desencadear um distúrbio depressivo em crianças. Após um evento desta natureza, é sempre recomendável ficar de prontidão com as antenas de pé.

Diagnóstico

Nem toda tristeza na infância é Depressão. O diagnóstico de Depressão Infantil só pode ser feito após uma avaliação criteriosa dos sintomas e sua repercussão no dia a dia da criança.

O importante é fixar na mente a possibilidade de um conjunto de alterações, que em outra ocasião seriam rotuladas apenas como pirraça ou birra, poder tratar-se de Depressão Infantil.

A melhor orientação diagnóstica deve ser direcionada aos pais: eles devem ser orientados a elaborar um Diário dos Sintomas. Em um caderno ou agenda, devem registrar quando os sintomas ocorrem, com que frequência, se são mais comuns na presença de alguém ou em algum ambiente ou situação específica, quais as manifestações predominantes, e tudo mais que acharem significativo.

Situações que devem ser valorizadas

- Mudanças súbitas de comportamento: agressividade, irritação ou agitação excessivas; desinteresse pelos amigos, colegas, família ou escola.

- Alterações de apetite ou no padrão de sono: não ganha peso, começa a apresentar pesadelos ou episódios de terror noturno.

- Baixa autoestima: além de repetir "todo mundo me odeia", "preferia nem ter nascido" e similares, a criança também pode se mostrar excessivamente destemida, procurando sempre brincadeiras que representem risco para o seu bem-estar.

- Dificuldade de concentração: diminui o ritmo de aprendizado, não consegue levar uma tarefa até o fim, perde interesse com objetos que antes lhe eram muito queridos.

Abordagem terapêutica

Existem duas medidas terapêuticas principais: psicoterapia e tratamento medicamentoso.

Psicoterapia: Terapia Comportamental Cognitiva

A Terapia Comportamental Cognitiva (TCC) é a técnica mais comumente utilizada. Basicamente, consiste na identificação e correção de certas percepções distorcidas. Por exemplo, os pais devem corrigir seus próprios comportamentos negativos, passando a estimular a criança de modo construtivo. A criança, por sua vez, é ensinada a relaxar e projetar imagens positivas de si mesma. Vários estudos já mostraram que a Terapia Cognitiva é tão ou mais eficaz que o uso de certos antidepressivos.

Como em muitos casos o problema da criança reflete uma possível desestruturação da família em si, eu costumo recomendar que todos os familiares façam uma avaliação psicológica e aceitem, de bom grado, críticas construtivas. Além disso, o envolvimento dos pais ou cuidadores é essencial para o sucesso do tratamento: o psicoterapeuta não estará todo o tempo ao lado da criança, e caberá à família oferecer apoio e informações sobre outras possíveis situações estressantes em casa ou na escola que devam ser trabalhadas.

Felizmente, a Psicoterapia é capaz de resolver mais de 60% dos casos. O ideal é manter o acompanhamento psicológico por alguns meses após a remissão da Depressão, para que todos (criança e família) sedimentem as habilidades necessárias para lidar com o problema.

Tratamento Medicamentoso: Antidepressivos

A maioria dos estudos científicos realizados na última década sugere que os antidepressivos tricíclicos (p.ex.: amitriptilina e imiparmina) não são muito úteis no tratamento da Depressão Infantil. Contudo, os antidepressivos mais novos, da classe dos Inibidores Seletivos de Recaptação da Serotonina – ou ISRS -, mostraram ser uma boa opção para crianças com mais de 8 anos de idade.

A Fluoxetina, principal representante desta classe, possui menos efeitos colaterais que os antidepressivos mais antigos, mas ainda assim pode aumentar o risco de suicídio e só deve ser utilizada sob acompanhamento médico.

Crianças com Depressão associada a episódios de mania podem se beneficiar do uso de Lítio.
Existe muita controvérsia sobre o tratamento medicamentoso da Depressão Infantil e você não irá encontrar unanimidades. As crianças respondem de modo bem diferente aos antidepressivos e algumas podem não apresentar qualquer melhora com o uso da medicação. Além disso, não existe um período determinado para uso dos medicamentos. O tempo de uso pode variar de 1 a 12 meses, ou mais.

Os antidepressivos devem ser usados sempre em associação à psicoterapia, nunca como substitutos para ela.

Os achados atuais sugerem que as evidências para o tratamento de crianças são notavelmente mais fracas do que para as intervenções de adolescentes, sem que os tratamentos de crianças alcancem status bem estabelecido e a base probatória de tratamentos realizados a partir de relatórios anteriores. A terapia comportamental cognitiva (TCC) para crianças clinicamente deprimidas parece ser possivelmente eficaz, com resultados mistos entre os diferentes estudos.

Conclusão

A Depressão Infantil pode ser um único episódio isolado ou evoluir como crises recorrentes: uma criança que sofreu um episódio Depressivo possui uma chance de 70% de sofrer uma nova crise nos próximos cinco anos. Sem tratamento adequado, 40% das crianças afetadas apresentarão uma crise grave de Depressão nos dois anos seguintes, metade delas tentará o suicídio e 7% terão êxito.

Em contraste com uma forte base de evidências para intervenções psicoterapêuticas, há um apoio limitado para o uso de medicamentos para transtornos da ansiedade em pré-escolares. Em geral, a medicação deve ser reservada para crianças altamente debilitadas que não são candidatas à terapia ou que falham em outras intervenções, podendo, em alguns casos, ser benéfico o seu uso.

Felizmente, o diagnóstico precoce aliado ao tratamento apropriado possui um excelente índice de sucesso na imensa maioria dos casos.

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