Artigos de saúde
A grande maioria das mulheres que procuram atenção de emergência para as complicações do aborto sofreram um aborto incompleto, o que significa que o útero não foi evacuado completamente e contém tecido residual. Se não é tratado oportunamente por meio de uma evacuação manual intra-uterina, o aborto incompleto pode causar hemorragia ou infecção, que podem resultar em morte (277, 282). Em quase todos os casos, a aspiração manual intra-uterina (AMIU) sob anestesia local é o tratamento mais apropriado para as complicações pós-aborto. A AMIU é preferível à curetagem uterina (também conhecida como dilatação e curetagem, ou D&C), a técnica que ainda é usada com maior freqüência em quase todo o mundo (94, 186, 277, 282).
Nos países em desenvolvimento, é fundamental substituir a curetagem
uterina pela aspiração manual intra-uterina para tratar de complicações de até 12
semanas de gestação. Na maioria dos países em desenvolvimento, a mudança para a
aspiração intra-uterina significa a introdução da aspiração manual intra-uterina.
Embora a aspiração elétrica manual intra-uterina também seja apropriada para a
atenção pós-aborto, sua disponibilidade é limitada nos países em desenvolvimento A
Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecea aspiração manual intra-uterina como o
método mais adequado para tratar o aborto incompleto no primeiro trimestre. De fato, a
OMS considera a AMIU como um elemento essencial de atenção de primeiro nível de
referência para atenção primária de todos os sistemas de saúde (282, 283).
Melhoramento da Atenção Pós-aborto com AMIU
A eficácia da aspiração manual intra-uterina para evacuar o útero foi bem comprovada
em 19 estudos nos EUA, nos quais foram avaliados acima de 5.000 procedimentos de
aspiração manual intra-uterina, como tratamento para o aborto incompleto As taxas de
eficácia (definida como a evacuação completa do útero) variaram entre 95% e 100% e,
geralmente, excederam 98% (86). De acordo com estudos realizados no Egito, Quênia,
Nigéria e Zimbábue, nos quais foram analisados especificamente a AMIU, foi comprovado
que a AMIU é eficaz em 98% dos casos tratados por aborto incompleto durante o primeiro
trimestre (63, 65, 146, 172, 268). No estudo de Zimbábue, foi comprovado que a AMIU
também é eficaz para tratar casos de aborto séptico durante o primeiro trimestre (268).
Ainda, os estudos demonstraram que a AMIU, quando realizada sob anestesia local ao nível de ambulatório, oferece consideráveis vantagens em comparação com a curetagem uterina: vantagens tanto para a mulher quanto para o profissional de saúde e os sistemas que atendem a mulher (40, 93, 214, 277). Especificamente, comparado com a curetagem uterina, a AMIU com anestesia local oferece as seguintes vantagens:
Aumenta o acesso da mulher à atenção pós-aborto. A AMIU é uma maneira simples de estender e melhorar a atenção de emergência para as complicações do aborto (63, 86, 277) Nas unidades com poucos profissionais médicos e onde os recursos nas salas de cirurgia são limitados, a AMIU pode ser realizada em condições adequadas por pessoal paramédico treinado, ao nível ambulatorial (86, 186, 277). Ainda, sendo que o instrumental para a AMIU não é caro e não requer eletricidade, o uso da AMIU pode ser implementado tanto nos níveis de atenção primária do sistema de saúde quanto nos contextos rurais, nos quais existem poucos recursos e a atenção pós-aborto eficaz é menos acessível do que nas cidades (186, 282).
Reduz o tempo de espera. Quando é realizada sob anestesia local, a AMIU requer menos tempo do que a curetagem uterina, que, geralmente, é realizada sob anestesia geral. Além disso, dado que anestesia geral não é utilizada, se requer menos tempo para preparar tanto a paciente quanto a área de tratamento. Como resultado, a mulher não precisa esperar tanto (41, 63, 126, 127, 134, 268). Na Zâmbia, por exemplo, ao substituir a curetagem uterina pela AMIU e ao mudar o tratamento burocrático das pacientes, o tempo de espera para o tratamento foi reduzido de 12 horas a 4 a 6 horas (41). Além disso, o tempo de recuperação da paciente é mais curto depois da AMIU (86).
Quando a AMIU é realizada por pessoal paramédico nos níveis mais básicos do sistema de saúde, pode reduzir o volume de casos nas unidades de nível mais alto. Isto desocupa tanto as salas de cirurgia quanto os especialistas nos hospitais e reduz a espera das mulheres com complicações mais graves que requerem tratamento imediato (veja "Atenção Oportuna: Sistema de Referência e Descentralização").
Reduz o risco de complicações durante o tratamento. As taxas de complicações são consideravelmente mais baixas para os procedimentos de aspiração manual intra-uterina, tanto elétrico quanto manual, do que para a curetagem uterina (85, 257). De acordo com recentes estudos realizados em países em desenvolvimento, a AMIU conota menos complicações do que a curetagem uterina, especificamente no tratamento do aborto incompleto (65, 146, 172, 268). Em Zimbábue, por exemplo, os pesquisadores comprovaram que durante o tratamento com AMIU ocorreram apenas 25% das complicações que ocorreram com a curetagem uterina. Em particular, a perda de sangue foi consideravelmente mais baixa com a AMIU (268).
Sendo que a AMIU é muito menos dolorosa do que a curetagem uterina, a mulher requer menos medicamentos para tratar a dor durante o procedimento (146). A AMIU é realizada com anestesia local e sedação leve e, conseqüentemente, o risco de uma reação adversa à anestesia geral é reduzido (214, 293).
Reduz o custo da atenção pós-aborto. A substituição da curetagem uterina com a AMIU poupa dinheiro e, por conseguinte, pode liberar recursos para outros serviços obstétricos ou ginecológicos (22, 38, 40, 71, 89, 126, 127, 128, 150, 214) No Quênia, por exemplo, o custo médio para o tratamento por paciente foi reduzido em 66% em um hospital e em 23% em outro, principalmente devido à considerável redução do tempo de permanência hospitalar das pacientes quando a AMIU substituiu a curetagem uterina. Em um hospital mexicano, depois de substituir a curetagem uterina com a AMIU, o custo de tratar as pacientes com complicações do aborto foi reduzido em 75% (126, 127, 128). Em outro estudo realizado no Quênia, foi demonstrado que depois de tratadas com a AMIU, as mulheres permaneceram no hospital, na média, menos de seis horas, enquanto que as que foram tratadas com a curetagem uterina ficaram internadas de um a três dias (146). Em Nepal, quando um projeto piloto de AMIU foi aplicado no maior centro de maternidade, em 1995, a duração média de permanência hospitalar para as pacientes pós-aborto foi reduzida de 36 horas a somente três. Dentro dos primeiros seis meses depois de ser implementada, a AMIU economizou, ao hospital e às mulheres atendidas, 400 dias de internação e 282 cirurgias sob anestesia geral (177).
Estas economias são possíveis porque, em comparação com a curetagem uterina, a AMIU com anestesia local requer:
Facilita os vínculos entre a atenção pós-aborto de emergência e os serviços de planejamento familiar. Sendo que somente poucos medicamentos são necessários para o manejo da dor durante a AMIU, a mulher se recupera rapidamente e, geralmente, se sente suficientemente bem para falar com um orientador sobre planejamento familiar enquanto se recupera O orientador pode visitar a mulher para oferecer serviços e orientação sobre planejamento familiar antes que ela saia do hospital, ou pode acompanhar a mulher a uma unidade de planejamento familiar (105, 214) (veja "Como Evitar os Abortos Repetidos").
Introdução da AMIU
Geralmente, um programa de atenção pós-aborto é introduzido em um centro nacional de treinamento ou em um hospital docente, no qual os profissionais de saúde estão treinados para usar a AMIU e tratar as complicações pós-aborto. Em seguida, o programa é disseminado aos níveis mais básicos do sistema de saúde (103, 116, 177). No entanto, independentemente do fato de que os provedores sejam treinados para substituir a curetagem uterina pela AMIU ou para continuar com a curetagem uterina convencional, os programas devem adotar um enfoque integral para o melhoramento da atenção Isto geralmente significa reconfigurar os serviços e o fluxo de pacientes além de treinar os profissionais de saúde.
A capacitação dos profissionais de saúde. O treinamento em AMIU pós-aborto requer um alto nível de cooperação técnica por parte dos treinadores com experiência, especialmente na etapa inicial. O treinamento e supervisão constante ajudam os profissionais de saúde a manter suas habilidades e garantem alta qualidade de atenção (186). O treinamento geralmente significa um curso breve e intensivo sobre as medidas básicas da AMIU, a prevenção de infecções e o planejamento familiar Em recentes projetos pilotos realizados no Egito e em Nepal, por exemplo, alguns modelos foram provados para introduzir a AMIU, por meio de programas de treinamento para médicos, de seis dias de duração, baseados na habilidade dos médicos. O Population Council forneceu treinamento em dois hospitais egípcios, e JHPIEGO ofereceu treinamento em um hospital-maternidade no Nepal. O treinamento foi concentrado na aprendizagem por meio da prática, começando pela prática em modelos anatômicos. Depois do treinamento, durante os primeiros meses, os médicos realizaram a AMIU sob atenta supervisão de um médico com experiência (103, 177). Atualmente, programas de treinamento em AMIU pós-aborto foram iniciados em mais de 20 países na África, Ásia e América Latina (186).
Seleção da unidade de saúde. A seleção da unidade apropriada é importante quando o treinamento em AMIU é apresentado pela primeira vez. O pessoal principal na unidade selecionada deve assumir o compromisso de prestar atenção pós-aborto e fornecer uma liderança sólida para adotar novas normas de alto volume de casos de complicações de aborto tratamento. Além disso, o treinamento adequado requer um alto volume de casos de complicações de aborto Sendo assim, os hospitais onde as complicações de aborto já são tratadas são uma escolha lógica para introduzir a AMIU e o pessoal pode ser treinado para substituir a curetagem uterina pela AMIU. No projeto piloto realizado no Nepal, por exemplo, o hospital-maternidade nacional de foi selecionado como a sede inicial de treinamento porque 1.400 mulheres procuram este hospital anualmente para receber tratamento para as complicações pós-aborto, e muitos profissionais médicos são ali treinados (177).
Área de tratamento. É possível que os hospitais precisem voltar a projetar as áreas de tratamento e planejar o fluxo de pacientes, para evitar atrasos desnecessários e permanências por uma noite. A realização da AMIU em um local de tratamento destinado especificamente para isto, por exemplo, libera a sala de cirurgia para outros procedimentos (127). Além disso, sendo que a mulher precisa se locomover rápida e facilmente desde a área de internação até a área de tratamento com AMIU, sua localização no hospital é crítica. No Hospital Nacional de Quênia, por exemplo, a AMIU foi instituída em uma sala de procedimentos que ficava justamente em frente à de internação (134). No Nepal, a unidade de atenção pós-aborto foi estabelecida em uma sala adjacente à de internação (177).
Manejo administrativo das pacientes. Sendo que as complicações do aborto podem ser simples ou questão de vida ou morte, um sistema de triagem ou de avaliação ajuda a administrar o fluxo de pacientes de forma que cada uma receba atenção adequada oportunamente. No projeto piloto realizado no Nepal, por exemplo, um fluxograma ajudou os profissionais de saúde a determinar a seriedade da condição de cada mulher, usando informação concisa sobre os antecedentes reprodutivos e um exame físico (177).
Equipamento e abastecimento. Apesar de que a AMIU não requer muito equipamento especializado nem muitos medicamentos, os profissionais de saúde devem implementar um sistema que assegure o constante reabastecimento de instrumental de AMIU e de outros artigos usados durante o procedimento, tais como algodão, gaze, desinfetante e sabão e materiais farmacêuticos, tais como antibióticos, anestesia local, medicamentos para o manejo da dor e líquidos intravenosos (293). Para implementar a AMIU, também é necessário coordenar com os outros departamentos do hospital, tais como a sala de internação, a farmácia, o registro médico, o laboratório clínico, o setor de equipamentos e abastecimento, assim como os departamentos cirúrgicos, obstétricos e ginecológicos, para que cada um compreenda sua função nas novas práticas de tratamento (177).
O Manejo da Dor Durante a Atenção Pós-aborto
O manejo da dor freqüentemente é um aspecto negligenciado no melhoramento da atenção pós-aborto. As mulheres muitas vezes sentem dor como resultado do método usado para induzir o aborto, assim como a dor associada à evacuação uterina, independentemente se a curetagem uterina ou AMIU foram usadas. Ainda, é provável que as mulheres estejam ansiosas e com medo. A redução da dor da mulher requer: pessoal sem preconceitos, um ambiente calmo, o uso de um nível apropriado de medicamentos para dor e orientação de apoio (146, 172, 178, 199, 249, 277). (Veja figura)
Quando disponíveis, os medicamentos para tratar a dor não devem ser negados a uma mulher recebendo atenção pós-aborto (172). Freqüentemente, no entanto, mulheres sendo tratadas para complicações pós-aborto não recebem nenhum controle para a dor—nem remédios, nem orientação. Embora em alguns casos, medicamentos, agulhas, seringas e equipamento intravenoso não estejam disponíveis, em outros, a falta de controle da dor—tanto ao nível médico quanto em termos de apoio verbal—pode refletir a atitude negativa dos provedores (3, 200, 243). No Quênia, por exemplo, alguns provedores falaram que a mulher deve sentir dor durante a AMIU para poder evitar futuros abortos em condições de risco (243).
Veja tabela
Medicamentos para o manejo da dor. Sendo que o procedimento leva somente alguns poucos minutos e que o colo uterino freqüentemente está dilatado e mole, geralmente, há pouca dor durante a AMIU (277). A dor pode ser controlada através de anestésicos locais, analgésicos, sedativos, ou alguma combinação destes três, de acordo com a seriedade da dor e a disponibilidade de medicamentos (178, 296). Os anestésicos locais entorpecem a sensação física, e os analgésicos aliviam a dor nos receptores da coluna vertebral e cérebro. Os sedativos em realidade não reduzem a dor; são utilizados para aliviar ansiedade e para relaxar os músculos.
Anestesia local. Quando é necessário dilatar o colo uterino, anestesia local é aplicada através de um bloqueio paracervical por injeção (296). Dois anestésicos locais freqüentemente usados são a Lidocaína (Xilocaína) e a Cloroprocaína (Nesacaína) (178).
A anestesia local é mais segura e menos cara do que a anestesia geral, e oferece as seguintes vantagens (178, 199):
Orientação sensível. Assegurar que a mulher receba orientação é uma parte crítica da substituição da anestesia geral pela anestesia local para a atenção pós-aborto. Nos locais onde a mulher recebe pouco ou nenhum medicamento para o controle da dor, a orientação é de especial importância. A mulher precisa e merece receber orientação e apoio verbal antes do tratamento como também durante o mesmo, independentemente da utilização da AMIU ou da curetagem uterina.
A orientação durante o procedimento é uma importante estratégia para controlar a dor (3, 177, 178, 243, 249, 277). O medo e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor (30) Em seis hospitais de Quênia, por exemplo, independentemente do fato de se foram tratadas com a AMIU ou com a curetagem uterina, poucas mulheres receberam alguma informação sobre o próprio procedimento ou orientação, antes ou durante o procedimento. Somente 3% das mulheres tratadas com a AMIU receberam medicamentos para o controle da dor, e apesar de que a curetagem uterina pode ser realizada sob anestesia geral, somente 44% das mulheres tratadas com a curetagem uterina receberam medicamentos para o controle da dor. Tipicamente, antes do procedimento, as pacientes ficam nervosas e ansiosas. Durante o procedimento, os médicos e demais membros do pessoal de saúde não falaram com as pacientes, e elas ficaram mais temerosas e fisicamente tensas Sem importar se foram tratadas com a AMIU ou com a curetagem uterina, mais da metade das pacientes descreveram que sentiram uma dor "aguda" (243).
A técnica do profissional de saúde para realizar a AMIU também pode afetar o nível de dor (249, 277): um trato grosseiro, como movimentos rápidos e abruptos, durante a AMIU, pode aumentar a dor (277). Por outro lado, quando a atenção pós-aborto é prestada sem interrupções, por profissionais de saúde calmos e sem pressa, em um lugar tranqüilo, as mulheres sentem menos medo e dor (178).
Para que a orientação ajude a reduzir a dor, o provedor ou outro membro do pessoal clínico deve explicar à mulher cada passo do procedimento antes que este comece (296). Durante o tratamento, o provedor ou outro membro do pessoal de saúde deve conversar com a mulher de maneira descontraída e distraí-la para que não concentre sua atenção nos mal-estar produzido pelo procedimento (277). Em geral, um orientador ou outro membro do pessoal clínico permanece ao lado da mulher durante todo o procedimento (199, 249).
Para muitos profissionais de saúde, acostumados a tratar pacientes sob anestesia geral, a comunicação com a paciente durante o tratamento pode apresentar um desafio. Muitos provedores precisam treinamento para aprender como tranqüilizar e orientar as mulheres que permanecem acordadas durante o tratamento pós-aborto (277) (veja "Capacitação dos orientadores").
Population Reports
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