Artigos de saúde
Neste Artigo:
- Situação Atual: O Relato do Abandono
-
Caravana de Direitos Humanos Visita Hospitais Psiquiátricos Brasileiros
- São Paulo: Hospitais ou Prisões?
- Pernambuco: Superlotação
Massifica Atendimentos
- Goiás: Denúncias de Neurocirurgias
são Comprovadas
- Rio de Janeiro:
Uma Boa Surpresa na Clínica das Amendoeiras
- Salvador: Uma das Piores Experiências
- Conclusões do Relatório
- Nova Lei Prevê Extinção
Gradativa dos Manicômios
- Conselho Regional
de Psicologia de São Paulo apóia a Lei
- Atendimento em Hospitais
Gerais é Tendência Internacional
- Críticas à Nova
Lei Ainda se Fazem Ouvir no Meio Médico
- Exigências Internacionais
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Tema
"Na semana em que se comemora a saúde mental, o Brasil aprova Lei que extingue
gradualmente os manicômios e começa um caminho que pretende deixar na saudade a atual
situação de milhares de doentes mentais, relegados ao abandono em instituições
anacrônicas espalhadas por todo País"
Situação Atual: O Relato do Abandono
"O hospital psiquiátrico, o manicômio com suas características de
prisão, como lugar de atendimento em saúde mental, sempre negou a dimensão psicológica
e social do usuário". Com esta frase, Milton Freire, ex-paciente de hospitais
psiquiátricos, define a situação atual do tratamento ao paciente portador de
enfermidades mentais no Brasil.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, os transtornos mentais e as doenças
neurológicas afetam atualmente cerca de 400 milhões de pessoas no mundo. Atualmente, no
Brasil, existem 63 mil leitos psiquiátricos em hospitais. Desses, apenas 8% estão em
hospitais gerais. O restante está localizado em estabelecimentos psiquiátricos
especializados. No Brasil, a psiquiatria representa a quarta despesa nos serviços de
saúde. De acordo com o Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores (PT), de Minas
Gerais (MG), Paulo Delgado, o Brasil gasta mais de R$ 300 milhões anuais somente com a
internação de doentes mentais nos hospitais públicos.
Milton Freire explica, em artigo publicado no site da Luta Antimanicomial - Por Uma
Sociedade sem Manicômio, que, historicamente, "quem precisou desse tipo de
atendimento, foi tratado como um bode expiatório da sociedade. Como alguém que pode ser
seqüestrado, preso sem julgamento ou testemunhas, como se fosse um ser desalmado, um
objeto, nunca uma pessoa". Seu relato-depoimento toma um tom mais pessoal quando diz
"Éramos assim, seres desprovidos de direitos condenados ao silêncio. Pois, qualquer
manifestação era tida na conta de sintoma".
Esta denúncia, demonstra como o sistema manicomial brasileiro perpetua a doença, em vez
de promover a saúde. É uma crítica que ecoa entre os profissionais de psicologia mais
reconhecidos do mercado e soma vozes com o Conselho Federal de Psicologia, que entrou
definitivamente na luta pela extinção dos manicômios no formato em que existem
atualmente.
"Não há qualquer exagero nessas denúncias" defende o ex-paciente, que
descreve, quase poeticamente - não fosse a tragicidade de suas experiências -, os
sofrimentos que vivenciou: "O quarto-forte, onde se ficava dias isolado, o
eletrochoque, os pátios, os intermináveis comas insulínicos, a truculência dos
torcedores de braços, os altos muros sem horizontes. São teias envolvendo
mortificação, o paciente, principalmente, aqueles abandonados pela família".
Milton Freire faz parte do Grupo Condição Humana, do Instituto Franco Basaglia.
Caravana
de Direitos Humanos visita Hospitais Psiquiátricos Brasileiros
As 'Caravanas Nacionais de Direitos Humanos', projeto elaborado pela Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados, visitaram dezenas de instituições em sete estados
brasileiros, ao longo de 12 dias, em meados de junho de 2000, originando um relatório
inédito e atual sobre a situação dos hospitais psiquiátricos públicos do País.
Embora tenham sido visitas rápidas e não técnicas, mas políticas, a comissão de
deputados conseguiu reunir uma amostra (não estatística) do tipo de tratamento que vem
sendo dispensado aos enfermos mentais no Brasil, que resumimos nesta reportagem por seu
poder ilustrativo da situação que desejamos reportar aos nossos leitores. A conclusão
do relatório indica a permanência de um modelo considerado anacrônico e que "exige
mudanças urgentes".
"Em uma instituição visitada, perguntamos a um paciente há quanto tempo ele estava
internado e sua resposta pronta foi - 'Há 600 anos'. Talvez, do ponto de vista daqueles
submetidos a um sofrimento infinito, a própria idéia de tempo se confunda com a
eternidade. É o que pretendemos contribuir para superar", define o relatório da
Caravana, publicado simultaneamente nos sites dos Deputados do PT (Partido dos
Trabalhadores) Marcos Rolim e Paulo Delgado.
São Paulo: Hospitais ou Prisões?
Em São Paulo, a Caravana, composta pelos Deputados Marcos Rolim, Dr. Rosinha e Fernando
Gabeira, acompanhados por Geraldo Peixoto, representando a associação Franco Baságlia;
por Rubens Nascimento Bezerra, da comissão de reforma em Saúde mental de SP; por Sueli
Pereira Pinto, do Conselho Regional de Psicologia; por Vera Lúcia Marques; por Anna
Oliveira da ONG SOS saúde mental e por Carmen Silvia de Moraes Barros, Procuradora do
Estado de SP, iniciou seus trabalhos visitando o Complexo do Juqueri, em Franco da Rocha.
Esta instituição, que acumula denúncias feitas há mais de uma década, interna cerca
de 1500 pacientes, contando com uma média de 3 ou 4 atendentes para cada grupo de 150
internos "e um número ainda mais rarefeito de técnicos com formação de nível
superior", acusa o relatório, que conclui que "o resultado é uma realidade de
abandono revoltante".
Segundo o relatório dos deputados, a conseqüência desta pouca quantidade de pessoal
qualificado é o abuso de medicamentos: "os pacientes recebem a medicação diluída
- que, além de facilitar o controle, impede qualquer artifício de recusa. Ela é
distribuída em intervalos de tal forma que os internos passam a maior parte do dia
adormecidos ou sonolentos".
Os parlamentares contam que alguns pacientes transitam nus por corredores gradeados e que
outros estão cobertos com panos e túnicas oferecidas pela própria instituição. Eles
concluíram que "os internos não recebem uma atenção individualizada e não
dispõem de recursos terapêuticos elementares. Estão sós e esquecidos".
Na seqüência da visita ao Juqueri, os deputados dirigiram-se ao Manicômio Judiciário
Franco da Rocha, chamado Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Prof. André
Teixeira Lima, onde estão alojados 621 homens e mulheres para uma lotação de 400 vagas,
segundo estimativas oficiais. Considerando-se que, segundo os integrantes da Caravana, a
lotação máxima cairia abruptamente se fosse calculada de acordo com os requisitos de um
bom tratamento de saúde, a superlotação é um problema de fato muito grave.
Como conseqüência, os alojamentos coletivos, relataram, dispõe de leitos 'colados' uns
aos outros e os pacientes são medicados 'coletivamente', ou seja, sem qualquer atenção
individualizada. "A situação só não é ainda mais grave por conta dos esforços
da atual direção que desenvolveu uma unidade paralela destinada a preparação da 'alta
progressiva' dos internos", conclui o relatório da visita.
No dia seguinte, a Caravana visitou a Casa de Custódia e Tratamento Arnaldo Amado
Ferreira. Lá estão detidos 244 pacientes psiquiátricos com medidas e segurança, além
de 160 que estão lá por serem considerados 'inadaptados' ao sistema penitenciário, e
não por apresentarem problemas mentais. A maioria dos internos está em celas
individuais.
Em uma das galerias, há o agrupamento de pacientes de dois em dois, em celas consideradas
pelos visitantes como 'minúsculas, verdadeiros cubículos', onde os internos dispõem de
um colchão e um sanitário sem vaso. "Em algumas galerias, o controle da descarga
encontra-se no corredor de tal forma que são os agentes e monitores que as acionam"
relataram.
"O acesso às celas não é gradeado. Suas portas são compactas em ferro e madeira
onde se fez constar uma abertura retangular - do tamanho suficiente para que um prato de
comida possa ser oferecido aos internos em suas celas. Esse espaço é fechado ou aberto
por fora, com o manuseio de uma tranca. Os internos, assim, não estão apenas isolados.
Estão, também, invisíveis", acusa o relatório, que conta ainda que a
instituição não conta com terapeutas ocupacionais, nutricionistas ou outros
profissionais habilitados em nível superior e dispõe de apenas seis médicos, quatro
psicólogos, quatro assistentes sociais e um dentista para um total de 404 internos.
Como lado positivo, a Caravana relata que viu que a instituição conta com uma pequena
sala de terapia ocupacional onde alguns internos pintam e produzem artesanato. Existem
também duas unidades produtivas, onde alguns internos trabalham no acabamento de peças
plásticas para automóveis e montagem de cartelas com botões. "Os demais presos
trabalham na capina, varrem o prédio e se envolvem em outras tarefas de
manutenção".
A atividade sexual é vedada aos pacientes da Casa de Custódia, assim como em todas as
outras instituições visitadas pela Caravana. "Trata-se de uma nova condenação,
não prevista por qualquer lei e que contraria frontalmente os direitos e garantias
individuais assegurados pela Constituição", denunciam os integrantes da Caravana,
que relatam: "Quando nos deslocávamos da Casa de Custódia e atravessávamos o
último corredor em direção à saída, um dos internos passou a bater em sua cela
enquanto gritava sem parar: -'Fim da tortura humana, fim da tortura humana, fim da tortura
humana...' Seu protesto desesperado, possivelmente enlouquecido, encerrava nossa visita e
a própria caravana como uma síntese no interior da qual é possível identificar uma
redundância; a tortura, afinal, é uma prática só construída pelos humanos".
Pernambuco: Superlotação
Massifica Atendimentos
Em Pernambuco, estado do nordeste brasileiro, foram visitadas quatro instituições
psiquiátricas em diferentes cidades, incluindo a capital, Recife. No Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Itamaracá (HCTP), na região metropolitana de
Recife, Manicômio Judiciário do Estado, a instituição possui 70 leitos e abrigava 336
internos no dia da visita, contando com 7 médicos plantonistas, um médico assistente, um
clínico geral, um enfermeiro, dois psicólogos, dois assistentes sociais, um terapeuta
ocupacional e um clínico geral, além de 14 auxiliares de enfermagem. No dia da visita,
no entanto, o único profissional de nível superior presente era a médica plantonista,
que se encontrava trancada (literalmente, pois a sala dos médicos é gradeada) em sua
sala, dormindo.
De acordo com o relatório da Comissão, os pacientes não são tratados no HCTP, pois
sequer são concebidos como pacientes: "Estão trancafiados em celas imundas e
fétidas. Alguns deles, isolados e completamente nus", pois, segundo a médica de
plantão, correm risco de suicídio e não há recursos técnicos ou de pessoal para que
sejam observados.
"Os pavilhões onde estão amontoados os internos são prédios inabitáveis,
lúgubres e pestilentos. Em muitas celas, os internos convivem com seus próprios dejetos.
A maioria é obrigada a dormir no chão. Os banheiros são imundos e em alguns não há
sequer água. Quando de nossa visita, fazia um mês que o hospital estava sem qualquer
medicação para fornecer aos internos. Tudo aqui não funciona. O HCTP é uma
instituição de reclusão sem qualquer segurança que oferece aos internos a perspectiva
de pena cruel e degradante.
Em síntese, nem custodia, nem trata. Caso de interdição imediata e denúncia
pública", denuncia o relatório, cujos autores, os deputados Marcos Rolim e Paulo
Delgado, mantiveram no mesmo dia uma audiência com a Sub Procuradora do estado de
Pernambuco, Dra Maria Helena Caula Reis. Solicitaram que o Ministério Público tomasse
providências imediatas e sugeriram a interdição do HCTP.
Uma exceção foi o Hospital Psiquiátrico Alberto Maia, na cidade de Camaragibe, interior
de Pernambuco. Embora seja instituição privada, 99% dos seus leitos (que somam 1000)
são conveniados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) "De todas as instituições
visitadas, esta é aquela que mantém o maior quadro de funcionários.
O Hospital mantém atividades externas com os pacientes, possui projeto terapêutico - que
ficou de nos enviar - mantém telefone para uso dos pacientes, permite a visita dos
pacientes aos familiares", relatam os seus visitantes. "A favor do hospital,
podemos afirmar que os pacientes não estão abandonados. Há aqui um acompanhamento
efetivo. Até que ponto ele é resolutivo não podemos afirmar. Também aqui é
absolutamente evidente a mistura de miséria, abandono familiar e doença mental",
concluíram.
As outras instituições visitadas em Pernambuco apresentavam internações abusivas,
precariedade de instalações e ausência de projeto terapêutico, além de falta de
pessoal qualificado e aparência de permanente abandono. "Parece mesmo incrível que
Pernambuco tolere limitações dessa ordem ainda mais quando o estado dispõe de uma lei
de reforma psiquiátrica em vigor. Ao que tudo indica, a Lei não vem sendo observada, nem
desencadeou uma política pública eficaz na área", concluiu o relatório.
Goiás: Denúncias
de Neurocirurgias são Comprovadas
Em Goiás, a Comissão de Direitos Humanos verificou como verdadeiras denúncias de que
neurocirurgias vem sendo prescritas e executadas a pacientes considerados
"agressivos". A Clínica de Repouso Bom Jesus, em Goiânia, privada, mas
sustentada majoritariamente pelo SUS, confirmou 5 casos de neurocirurgia no período de um
ano e que em pelo menos um destes casos, o profissional responsável pela indicação
sequer sabia o estado civil do paciente.
Em outra instituição, a Clínica Isabela, um paciente morreu meses antes queimado,
quando estava contido mecanicamente em seu leito. Mesmo sendo privada, também a Clínica
Isabela depende principalmente das verbas do SUS (dos 197 leitos, 181 são conveniados
pelo sistema público).
Na Clínica Isabela, foi possível aos integrantes da Comissão conversarem com o diretor
da instituição, psiquiatra, que defendeu abertamente o uso de eletroconvulsoterapia
(ECT), neurocirurgias e estereotaxia (técnica que consiste na introdução de uma fina
espátula no cérebro), todas praticadas sob sua indicação, quando o paciente é
resistente aos medicamentos.
"O que já seria inaceitável em qualquer situação ao final desse século torna-se
escandaloso quando sabemos que essas concepções sobrevivem às custas do financiamento
público. Por essa razão entendemos como urgente a necessidade de intervir sobre o
sistema de saúde mental vigente na capital dos goianos destacando esse caso em nossas
recomendações finais ao Ministério da Saúde" declara, a este respeito, o
relatório da Comissão de Direitos Humanos.
Rio de
Janeiro: Uma Boa Surpresa na Clínica das Amendoeiras
A primeira boa surpresa da Comissão teve lugar no Rio de Janeiro, onde a Clínica das
Amendoeiras, uma instituição privada com 140 leitos, todos conveniados pelo SUS, atende
seus pacientes, na maioria neurológicos, com humanidade.
Os integrantes da comissão destacaram em seu relatório que, embora o prédio da
instituição não seja adequado para o fim a que se destina atualmente, é evidente que
os profissionais que lá trabalham desenvolvem laços afetivos com internos:
"Percebe-se a abertura das possibilidades de humanização construída pelo projeto
terapêutico".
Ainda que tratem de pessoas muito pobres, algumas abandonadas por suas famílias, e
enfrentem problemas financeiros, a Clínica Amendoeiras mereceu elogios de seus
visitantes. "Um lugar que reuniria todas as condições para se transformar em um
depósito de seres tratados como vestígios humanos. O que vimos, não obstante, foi a
afirmação da tendência oposta pela qual aqueles internos descobrem-se, pelo cuidado
reconhecido em sua humanidade".
Salvador: Uma das Piores Experiências
A Clínica São Paulo, na capital baiana, recebeu uma das piores avaliações por parte da
Comissão, que indicou sua intervenção imediata. De acordo com o relatório da visita,
trata-se de uma instituição privada, em prédio inadequado, com compartimentos isolados
uns dos outros por portas trancadas. O médico que recebeu a comissão informou que
existiriam ali "algo em torno de 200 ou 300 leitos", demonstrando seu total
desconhecimento da real situação de seus pacientes.
Conforme relataram os deputados, foi difícil realizar a inspeção, "pela própria
angústia dos pacientes que cercavam os integrantes da Caravana implorando sua
liberdade". No texto do relatório, os integrantes da Caravana contam que "Na
ala feminina, situada em um verdadeiro calabouço, encontramos pacientes despidas em
estado de abandono.
As condições de higiene são as piores possíveis e o cheiro que emanava em toda a
instalação era insuportável. Há, evidentemente, um 'tratamento' massificado e a
prática de abuso de medicamentos".
Conclusões do Relatório
No entendimento da Comissão que levou adiante esta Caravana, a reforma psiquiátrica no
Brasil é complexa e demanda um período de transição entre o modelo reconhecido por
eles como "hospitalocêntrico e asilar" e um novo modelo, "capaz de
oferecer aos portadores de sofrimento psíquico condições efetivas de tratamento e
integração social".
A partir da experiência destas visitas e com base neste pressuposto, a Comissão elaborou
uma série de sugestões ao Ministério da Saúde (MS) e às autoridades locais nos
estados visitados, sendo as mais importantes relativas à convocação da III Conferência
Nacional de Saúde Mental; à necessidade de auditorias nacionais nos hospitais
psiquiátricos; ao desenvolvimento de uma política que desestimule as internações
psiquiátricas abusivas e a remuneração de serviços de atenção em saúde mental de
natureza ambulatorial e comunitária assim como ao auxílio aos familiares de doentes
mentais comprovadamente carentes, para que cuidem eles próprios de seus doentes; à
intervenção das clínicas e hospitais apontados pela Caravana, incluindo aí a Clínica
São Paulo, de Salvador e a vistoria criteriosa das clínicas visitadas em Goiás.
Eles também indicaram a necessidade do MS regulamentar o uso de ECT no Brasil,
restringindo-o ao máximo, e proibir a realização de neurocirurgias, assim como elaborar
uma campanha nacional de combate ao preconceito contra os doentes mentais.
Entre as experiências apontadas como positivas pela Comissão, consta a dos lares
abrigados para pacientes que perderam seus vínculos familiares. Por isso, eles indicam ao
MS que amplie esta experiência. Além disso, sugerem que o MS estabeleça um prazo para
que os pacientes dependentes químicos (alcoolismo e drogaditos) sejam todos transferidos
para instituições ou centros de tratamento de natureza não psiquiátrica.
Nova Lei Prevê Extinção
Gradativa dos Manicômios
O presidente Fernando Henrique Cardoso deve sancionar nesta primeira semana de abril
(2001) a Lei que extingue gradualmente os manicômios em todo o território nacional e
protege os direitos dos portadores de transtornos mentais contra arbitrariedades nas
internações involuntárias, aprovada na última semana de março pelo Senado. A Lei
prevê a substituição dos investimentos em hospitais psiquiátricos por outros recursos
assistenciais.
De acordo com o texto da Lei, são estabelecidos três tipos de internações:
voluntárias, involuntárias e compulsórias. A última só ocorrerá com ordem judicial,
que precisará de um laudo de uma junta médica para determinar a internação. A Lei
prevê ainda o erro médico psiquiátrico.
De acordo com o deputado do PT de MG, Paulo Delgado, autor projeto original da lei de
1989, esta lei, proíbe que os pacientes sejam internados em "instituições com
características asilares", ou seja, os antigos manicômios. Conforme o parlamentar,
o substitutivo vai "humanizar" o tratamento no país. O doente ficará em casa
ou em abrigos, e o tratamento será ambulatorial, acabando com internações arbitrárias
e mecânicas. Considerada pelo parlamentar como cautelosa, a lei define-se por um modelo
de transição previsto para durar cinco anos.
Em entrevista concedida em 02 de abril de 2001, ao site Hoje em Dia, o deputado Paulo
Delgado, diz que a relevância da Lei aprovada no início deste mês é a de incluir os
doentes mentais na sociedade de direito, concedendo-lhe o amplo direito de cidadania. Para
ele, a grande resistência à Lei vem dos departamentos de psiquiatria das universidades,
principalmente de São Paulo.
"Diziam que você não podia mudar uma legislação de natureza médica. Deveria ser
tarefa dos conselhos de medicina. O projeto cria o erro médico em psiquiatria. Ninguém
suspeita que um psiquiatra possa dar um laudo errado sobre uma situação da mente",
explica.
Nesta entrevista, o Deputado contrapôs-se às críticas ao seu projeto, dizendo que os
100 anos de psiquiatria manicomial brasileira perpetuou a idéia de que o doente mental
deva ser tratado com isolamento, sedação e prisão. "O Brasil era o país dos
manicômios", acusa, considerando que "é difícil convencer que há outro
modelo de tratamento que é bom clinicamente e cientificamente justificável".
Um dos preconceitos que ele alega que os doentes mentais sofrem é relativo à sua
pretensa periculosidade, o que reforça a idéia de que precisa ser encarcerado.
"Outro preconceito é o princípio da incapacidade civil permanente, o doente mental
é um peso morto na família, dá trabalho e, além de ser perigoso, tem que ser internado
para a vida toda. O tratamento era a morte em vida", completa.
Ainda de acordo com Paulo Delgado, quando ele iniciou o projeto, há mais de uma década,
a rede manicomial tinha 300 mil internos, distribuídos em quase 250 hospitais e
constituía-se no maior gasto do Ministério da Saúde nos anos 80. "Havia uma
indústria da loucura no Brasil. O paciente era barato e o hotel zero estrela. Se a comida
estava fria, o cara era louco. Se não tinha carne, o dono do hospital dizia que
tinha", acusa.
Na proposta da Lei, como não haverá mais verbas para novos leitos, a exceção fica por
conta dos doentes mentais crônicos, que já estão internados em manicômios. Para estes,
que contam 20 mil do total de 80 mil doentes, o processo de transição terá que ser mais
lento e será necessário, antes de tira-los de lá, criar lares abrigados, pensões
protegidas. "Tem que aumentar a vantagem dos que estão em desvantagem.
Você tem que dar um título de propriedade para um doente abandonado para ver se a
família aparece. O Ministério da Saúde vai regulamentar a lei. O abandono social
determinou o abandono clínico. Se a medicina não tem possibilidade terapêutica para
algumas pessoas é melhor que feche", diz o deputado mineiro.
Para o deputado Marcos Rolim, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e
coordenador da caravana que visitou manicômios em vários estados no ano passado, cujo
relatório foi resumido nesta reportagem, a aprovação da Lei, e outros mecanismos que
já existem, vai dificultar a construção de manicômios no Brasil.
Marcos Rolim lembra que onze estados brasileiros já possuem leis próprias proibindo as
construções. "E a atual política do Ministério da Saúde é contrária aos
manicômios", afirmou o deputado. O deputado acredita que, com a Lei, cria-se um
procedimento para acompanhar as internações abusivas.
Um dos artigos da Lei, que admitia a possibilidade do poder público destinar recursos
para a construção de novos manicômios ou contratar financiamentos com essa finalidade,
foi suprimido. Em sua forma final, a Lei é omissa em relação aos investimentos
públicos no setor, não os autorizando nem impedindo. "Por ser omissa, a matéria
não vai interferir na legislação dos Estados, como o do Rio Grande do Sul (RS), que
proíbe esse tipo de investimento" - disse Rolim ao jornal Zero Hora, de Porta
Alegre, RS.
Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo apóia a Lei
A presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP), Lumêna Castro
Furtado, comenta a respeito da aprovação da Lei que "apesar de não contemplar
ainda as propostas apresentadas pelo Movimento da Luta Antimanicomial, é um avanço
termos uma legislação que aponta para o fim dos manicômios".
De acordo com comunicado à imprensa pelo CRP SP, há, por parte da entidade, a crença na
"diminuição gradativa dos hospitais psiquiátricos e na criação de uma rede
serviços abertos substitutivos, para que haja um convívio mais amplo do paciente mental
com a família e a sociedade". Segundo Lumêna, "é necessário a rápida
implantação da Portaria 106 do Ministério da Saúde, que regulamenta a criação dos
Lares Abrigados para aqueles pacientes que estão nos manicômios como moradores".
Ela argumenta que, nestes lares, o usuário poderia participar de atividades de lazer,
educação e cultura, "a fim de se reintegrar à comunidade, resgatando sua dignidade
como cidadão".
A Lei é considerada pelo psiquiatra e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul), Rogério Wolf de Aguiar, o primeiro grande passo do Brasil para
descentralizar o atendimento aos pacientes psiquiátricos. O especialista participou
diretamente, durante seis anos, das discussões sobre o tema na diretoria da Associação
Brasileira de Psiquiatria. Hoje integra a Comissão de Saúde Mental do Ministério da
Saúde.
Em entrevista a eHealthLA, o Prof. Rogério salientou que "No meu ponto de vista o
grande ponto do texto aprovado é o que dá força para que os gestores de saúde invistam
os recursos destinados para a psiquiatria no reaparelhamento das unidades de atendimento
extra-hospitalar". Isso será possível porque a lei impede o SUS de estabelecer
novos convênios para a criação de leitos psiquiátricos. "A lei não manda fechar
hospitais psiquiátricos, apenas diz que o número de leitos não deve ser aumentado. Ao
mesmo tempo, estabelece possibilidades de tratamentos em unidades psiquiátricas, de
âmbito ambulatorial, em hospitais gerais quando existir necessidade de internação ou em
centros intensivos, quando o tratamento for mais complexo", disse o especialista.
Atendimento
em Hospitais Gerais é Tendência Internacional
De acordo com o Prof. Rogério, em países como os Estados Unidos, por exemplo, grande
parte dos atendimentos psiquiátricos, cerca de 60%, são feitos em hospitais gerais e
não em instituições especializadas. "Essa é a tendência internacional". No
Brasil a lei aprovada pelo Senado é a primeira ação que indica o redirecionamento dos
recursos da Saúde para a criação de uma infra-estrutura de atendimento extra-hospitalar
e não intra-hospitalar. Segundo um levantamento realizado pela Previdência Social, mais
de 60% dos pacientes internados em regime de 'confinamento' poderiam estar em regime
aberto, fazendo os tratamentos durante parte do dia.
A aprovação do projeto de lei, que tramitava há 12 anos (8 dos quais no Senado e 4 na
Câmara), coincide com o Fórum de Saúde Mental 2001. O evento realizado, nos dias 6 e 7
de abril, em São Paulo, comemora o Dia Mundial da Saúde, e leva por tema "Cuidar,
sim. Excluir, não!". Simultaneamente, acontece uma Mostra Cultural, na Praça da Paz
do Parque Ibirapuera (SP), enfocando os temas 'Moradia', 'Trabalho e Cooperativas', 'Rede
de Serviços em Saúde Mental', 'Denúncias' e 'Organização Social e Direitos de
Cidadania'. O evento contará com a participação do CRP SP. "O Fórum de Saúde
Mental será um espaço importante para a discussão das alternativas já implantadas por
diversos municípios", declarou Lumêna.
Críticas à
Nova Lei Ainda se Fazem Ouvir no Meio Médico
De acordo com entrevista concedida pelo psiquiatra Nikoten Edler, membro da Associação
Brasileira de Psiquiatria, ao Jornal do Brasil Online, nem tudo é positivo na Lei que
extingue os manicômios. Para ele, é inegável que a internação em muitos casos é
apenas um negócio comercial para os administradores de manicômios e uma solução fácil
para as famílias e psiquiatras. Ele alerta, contudo, para as distorções que um
movimento contra as internações possa causar: "Muitos doentes mentais vão ficar
soltos por aí.
O grande problema é a massa pobre, que pode ficar abandonada, como acontece com os
idosos", disse ao JB Online. O médico garantiu que nem sempre as internações são
negativas para o paciente e que a internação, às vezes, é a melhor solução, uma vez
que, em casa, os doentes muitas vezes acabam criando problemas para as suas famílias. Ele
mesmo, segundo informou, interna de dois a seis pacientes por ano, e, na sua avaliação,
eles apresentam melhoras na sua maioria.
Exigências Internacionais
De acordo com material publicado pelo site da Luta Antimanicomial da Bahia, a Dra. Gro
Harlem Brundtland, diretora geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), anunciou
recentemente novas estratégias mundiais para a saúde mental, visando melhorar a
cobertura e a qualidade dos cuidados psiquiátricos e neurológicos no mundo, em
particular nos países em desenvolvimento. Para atingir estes objetivos, a OMS espera
contar com a ajuda de um certo número de medidas que serão energicamente sustentadas
tanto nos países em desenvolvimento, quanto nos países industrializados.
Uma das iniciativas da OMS inclui sensibilizar o grande público, os profissionais de
saúde e os que decidem no âmbito da saúde pública, sobre a importância dos
transtornos mentais e neurológicos, que, de acordo com dados da OMS, têm um grande peso
no aumento da morbidade mundial. Esse peso foi recentemente definido, por meio de uma nova
unidade de medida - os "anos de vida ajustados pela incapacidade (DALY)" -
elaborada conjuntamente pela OMS, o Banco Mundial e a Universidade de Harvard.
Os DALY medem o peso global de uma doença associando, de um lado, os anos de vida
potencial perdidos em conseqüência da morte prematura devida à doença, e de outro, os
anos de vida produtiva perdidos em conseqüência da incapacidade resultante da doença,
explica o texto publicado no site da Luta Antimanicomial.
"Para a Saúde Mental, os DALY evidenciaram uma realidade crítica e mostraram que os
transtornos psiquiátricos e neurológicos figuravam entre os problemas mais importantes
que concorrem para o aumento da morbidade mundial", declarou a Drª Brundtland em
Beijing, durante uma entrevista coletiva à imprensa. "Em 1998, estimava-se que estes
transtornos representavam em torno de 12% das mortes e da perda de produtividade devido a
todas as doenças e traumatismos, no mundo, sendo os índices estimados de 23% nos países
com alta renda e de 11% nos países com renda baixa ou média. Em 2020, se medidas de
urgência não forem tomadas, a parte desses países pode chegar a 15%", declarou.
De acordo com estimativas da carga de morbidade mundial de 1990, publicadas no site, cinco
das dez maiores causas de incapacidade, no mundo, tanto em países industrializados quanto
em desenvolvimento, são problemas mentais: episódios depressivos graves, esquizofrenia,
transtornos bipolares, dependência do álcool e transtorno obsessivo-compulsivo.
Conforme estimativas dos DALY de 1998, os episódios depressivos graves figuram em quinto
lugar da lista. Em 2020, se a tendência mundial se mantiver, esses transtornos chegarão
na segunda posição, estima-se. A explicação para isso é que o episódio depressivo
grave está estreitamente ligado ao suicídio, sendo que a maioria das pessoas que tentam
o suicídio também estão clinicamente deprimidas. Quando o suicídio e as tentativas de
suicídio são considerados, o peso de morbidade associado à depressão aumenta de forma
bastante significativa.
Copyright © 2001 eHealth Latin America
04
de Abril de 2001
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