Artigos de saúde
No dia 12 de julho de 2000, segundo dados do Ministério da Saúde, aproximadamente 42.330.086 homens, mulheres e crianças estão vivendo com HIV/AIDS, no mundo.
Diante do crescimento da contaminação pelo HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), causador da AIDS, no mundo, é natural que pensemos que os seus pacientes necessitem, cada vez mais, de atendimento psicológico, tantos pelos preconceitos que sofrem na sociedade quanto pelos próprios efeitos da doença e de sua nova perspectiva de vida.
Frente a esta realidade, pode-se pensar que se faz necessário o treinamento de profissionais de saúde, para capacitá-los a tratar de algo que assumiu proporções muito maiores do que apenas a de uma doença física.
A AIDS é considerada atualmente como um assunto social e cultural. E os profissionais de saúde não escapam desta problemática, uma vez que também estão sujeitos aos preconceitos de suas sociedades e culturas.
No entanto, de acordo com profissionais da área, talvez a maior diferença observada na evolução do tratamento psicológico do portador de HIV/AIDS seja justamente a sua não discriminação em relação a qualquer outro paciente.
“Angústias sobre a morte, preconceitos sofridos, a forma de relacionar-se afetiva e sexualmente, normalmente citadas como questões presentes em doentes de AIDS, podem aparecer em todas as pessoas”, explica o psicólogo especialista em AIDS pela SUNY/Family Health international/USAID, Fernando Falabella Tavares de Lima, do Núcleo de Estudos e Temas em Psicologia - Netpsi.
Um conjunto de aspectos são característicos do paciente com HIV/AIDS, mas nem um deles é exclusivo, define o psicólogo.
Entretanto, estudos sobre o atendimento psicoterápico exclusivo para pacientes de AIDS ainda são escassos no Brasil, não havendo uma técnica específica para esta demanda. “Nem deveria haver”, defende outro psicólogo do Netpsi, Marcelo Sodelli, mestre em psicologia da educação e com tese sobre Educação e Aids. Segundo Marcelo, quem traz a questão do HIV para a sessão é o próprio paciente, e não o terapeuta.
“É o paciente que delimita a importância do HIV na sua vida, e papel do terapeuta é justamente ampliar as suas perspectivas, de modo que ele perceba que há muito mais do que apenas AIDS para ser vivido”, explica, acrescentando que “nem por isso, esta é uma característica diferencial do tratamento do paciente com HIV, mas parte da terapia em si, com todas as pessoas, tendo em vista que o atendimento psicológico sempre pretende ampliar as consciências para os múltiplos aspectos de suas vidas”.
Na prática, de acordo com Marcelo, o paciente de HIV não traz a questão da morte para a terapia. “O paciente HIV focaliza sua terapia na forma como vai viver a sua vida, não na doença”, ressalta, lembrando que apenas no primeiro momento da terapia, ou no momento em que o paciente descobre que tem o vírus, que o assunto é tratado.
“Depois de passado o impacto inicial, são as questões do seu dia-a-dia que vem à tona”, relata. De acordo com Fernando, alguns estudos definem fases pelas quais o paciente de uma doença grave passa, mas não são exclusivas da AIDS.
Ele cita, por exemplo, a autora Elisabeth Kübler-Ross, que escreveu o livro “Sobre a Morte e o Morrer”, que determina cinco estágios vividos pelo paciente de câncer e sua família.
“A negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a depressão e por fim a aceitação, são fases comuns a todos os pacientes de doenças terminais, seja do câncer, seja da AIDS ou de qualquer outra”, levanta Fernando.
E é preciso, segundo ele, dizer ainda que “a AIDS, hoje em dia, está se tornando uma doença crônica, ou seja, é possível viver com o HIV e mesmo com a AIDS por dez, quinze anos, dependendo do organismo e do tratamento medicamentoso, mas sobretudo, das condições emocionais”.
Diante disso, a terapia não está realmente focada na morte imediata ou mesmo na questão da doença, mas das questões presentes para qualquer pessoa que tem uma perspectiva de muitos anos de vida pela frente.
É claro que, segundo Marcelo, existem momentos críticos para um paciente que chega a uma fase terminal e se defronta com a questão da morte como algo muito próximo e real, mas isso não será tratado, em terapia, de forma diferenciada para um paciente HIV/AIDS quando comparado a qualquer outro nestas situações.
Fernando exemplifica que pessoas que perderam entes queridos, ou que simplesmente são idosas, também enfrentam estes fatos, também se perguntam sobre como vai ficar sua família depois que ele morrer, o que vai acontecer consigo mesmo, etc. Talvez, diz Marcelo, o paciente de HIV/AIDS traga a culpa como uma angústia característica de sua patologia.
“Ele pode se perguntar se foi culpa sua ter pegado AIDS, ou pode tentar culpar o outro por lhe ter transmitido a doença, diferentemente do paciente com câncer, que costuma se sentir vítima”, mas completa: “nem mesmo assim podemos dizer que se trata de algo exclusivo do portador de HIV, tendo em vista que as culpas, por múltiplas situações, são tema freqüente da terapia para muitos que a freqüentam”.
Um paciente HIV/AIDS, em terapia, pode também se questionar sobre como levará sua vida cotidiana, os cuidados especiais com a sua saúde e com a dos outros, se deve ou não contar a sua condição para um novo parceiro, ou no trabalho, ou para os amigos. Ainda assim, sustentam os psicólogos, não se tratam de questões exclusivas do paciente portador de HIV e não implicam em técnicas específicas para tratamento.
“Como definir uma técnica diferente de atendimento para alguém que tem o vírus ou desenvolveu a doença, se, na prática, todas as pessoas são diferentes entre si?”, pergunta Marcelo.
Realmente, de acordo com o Ministério da Saúde (MS), que mantém um site específico sobre HIV e AIDS, quando se pensa sobre os aspectos psico-emocionais de uma pessoa, é importante lembrar que as necessidades de cada uma são diferentes, não sendo possível estabelecer um enfoque ideal para um tratamento “perfeito”.
“De forma geral, deve-se estimular a pessoa com AIDS a se preocupar com o próprio cuidado, pois, como todo mundo, a pessoa doente pode sentir raiva, frustração e depressão, etc.”, descreve o MS no site.
Freqüentemente, segundo o MS, a pessoa precisa falar sobre a doença para compreender melhor o que está se passando, para conseguir elaborar a situação, e é necessário, sendo assim, que o indivíduo deseje ser atendido para que a terapia logre êxito.
A pessoa infectada pelo HIV ou com AIDS, a partir do momento que recebe o diagnóstico, ou mesmo antes da realização do exame anti-HIV, vivencia diversos lutos pelos limites impostos, pelas perdas emocionais, sociais e da própria condição física, explica o MS. Por isso, recomenda Marcelo, é muito importante que a notícia de um resultado soropositivo seja sempre dada por um psicólogo.
Em alguns laboratórios, o envelope é entregue fechado para que a pessoa o abra sozinho, o que pode ser muito complicado, acusa. “Mesmo quando o resultado é negativo, deveria acontecer a intervenção de um psicólogo, ainda que para exercer uma função preventiva, uma vez que, se a pessoa foi fazer um teste, é porque tem consciência de que passou por uma situação de risco que pode vir a ser evitada no futuro”, defende.
Estes lutos, nascidos do momento em que a pessoa recebe a notícia de que está contaminada, nem sempre são elaborados, dependem dos recursos emocionais, da possibilidade de receber ajuda psicológica e também do tempo decorrido entre o diagnóstico e o desenvolvimento de AIDS, explica Fernando.
A perda de alguém próximo, como um companheiro(a), pode levar a uma identificação com a situação, fazendo com que o paciente pense na sua própria finitude, na sua doença, nas suas negações, temores e angústias, provocando uma intensificação da dor e do sofrimento, levanta o MS.
Em algumas pessoas, o luto pode suscitar a necessidade de rever seus sentimentos e talvez uma elaboração psíquica de seu próprio morrer, sendo a terapia psicológica um importante recurso com que se contar. Em outras pessoas, o luto pode levar a uma maior negação e fuga de sua realidade, refletindo, por exemplo, no abandono do tratamento medicamentoso e psicológico, precisando, portanto, ser acompanhadas de muito perto.
O início do processo descrito acima dá-se, muitas vezes, quando uma pessoa soropositiva assintomática (que não desenvolveu a AIDS, mas está contaminada pelo HIV) vê uma outra com manifestações da AIDS, o que geralmente desperta grande sofrimento e até dificuldades emocionais em comparecer a um serviço específico para o tratamento necessário, explicam os especialistas.
“O paciente pode desconsiderar que a forma como a AIDS se desenvolve não é exatamente igual para todas as pessoas com HIV (não ocorrem as mesmas doenças em seqüência e tempos iguais, nem são manifestas do mesmo modo por todos)”, lembra Fernando.
A possibilidade de um trabalho psíquico do luto normal ou patológico depende da dinâmica psíquica, dos recursos do sujeito, portanto, segundo o Ministério da Saúde, cabe ao profissional que esteja acompanhando o paciente a devida atenção para discriminar de que forma este se apresenta.
Convém lembrar que “o processo de elaboração do luto pode ocorrer sem a necessidade de uma intervenção profissional distinguindo-se o tempo e os recursos emocionais de cada um para tal, mas, principalmente, se o luto desenvolve-se de forma patológica, é preciso uma ajuda psicoterapêutica para sua elaboração psíquica”, ensina o MS em sua página.
As diversas correntes da Psicologia podem até adotar diferentes meios de se abordar a questão dos lutos e da própria doença – com técnicas que variam da psicanálise ao psicodrama, da fenomenologia à psicologia analítica.
“Contudo, é importante salientar que não há motivos para se caracterizar o paciente com AIDS como uma pessoa diferente. Deve-se trabalhar as angústias, os medos, como em qualquer pessoa que procure a psicoterapia”, conclui Fernando. Na hora de escolher um profissional, explica Marcelo, não é, por todos estes motivos, necessário que ele seja um especialista em AIDS, mas é interessante que conheça a doença, suas etapas, seu desenvolvimento, para que possa transmitir segurança e dar informações corretas ao seu paciente.
Sintomas Psiquiátricos
Para o MS, a AIDS é uma síndrome, ou seja, um conjunto de manifestações de várias doenças. Algumas dessas podem gerar lesões cerebrais e distúrbios causando desde falta de clareza para raciocinar, até mudanças na afetividade e no humor.
“Os profissionais de saúde que cuidam de um paciente de HIV/AIDS devem estar atentos”, diz a página governamental sobre Aids, “ao fato de que esta doença é causada por um vírus neurotrópico que invade precocemente o sistema nervoso central e pode, devido a esta invasão, provocar várias síndromes psiquiátricas”.
Além disso, reforça o MS, o impacto psicossocial da AIDS é enorme, podendo, também, propiciar o aparecimento de sintomas psiquiátricos.
Ainda de acordo com as informações prestadas pelo governo brasileiro aos profissionais de saúde, considerando-se que dentre as manifestações psiquiátricas mais freqüentes estão as alterações do humor (especialmente os quadros depressivos), síndromes ansiosas, delírios e demência, é evidente que o trabalho psicológico junto ao paciente portador de HIV/AIDS pode trazer bons resultados, na medida em que os ajuda a lidar com esta sintomatologia.
“Outros quadros menos freqüentes são as psicoses e os efeitos colaterais de medicamentos utilizados no tratamento da infecção pelo HIV e condições oportunistas”, acrescenta o MS.
E Quando o Paciente é uma Criança?
Outro aspecto que poderia ser considerado como um diferencial para a terapia de um paciente de AIDS é quando o portador é uma criança. “Não existem estudos, que eu conheça, no Brasil, a esse respeito, e a terapia infantil é de fato complicada, pois mexe com a perspectiva de vida da criança, somada à questão do medo de contagiar, da culpa por ter pegado a doença, da incompreensão do seu significado, etc.
Mas todas estas questões são tratadas, em terapia, da mesma forma com pacientes de AIDS, de câncer ou de qualquer outra doença grave”, explica Marcelo.
No Brasil, o conhecido Padre Júlio Lancelot, mantém a Casa Vida, que abriga 34 órfãos da AIDS, também eles contaminados. Ele sustenta a idéia de que estas crianças devem pensar na vida no seu presente, e que é assim que devem ser tratadas na sociedade: “Eles vieram à vida para viver”, disse, no 4º Educaids, evento ocorrido em São Paulo voltado para educadores.
Uma de suas “filhas”, em um comovente depoimento, chegou mesmo a dizer: “A gente não quer ser o futuro, a gente quer ser o agora, o presente”.
Em dezembro deste ano, está programado o 1º Encontro de Crianças e Adolescentes Portadores do HIV, organizado pelos mesmos que estão por trás do Educaids, em especial a bióloga Teresinha Pinto, presidente da Associação para Prevenção e Tratamento da AIDS, a ONG APTA.
Neste evento, ela reforçou que “este Educaids tem uma função histórica, de, pela primeira vez, ouvir o que as crianças e adolescentes portadoras do HIV tem a dizer e ensinar para seus professores”.
De acordo com estas crianças, seria necessário que os educadores, psicólogos, especialistas, as ouvissem, antes de teorizar a respeito. “Temos muito a dizer, principalmente sobre esperança”, disse uma delas.
Contar ou não contar
Atualmente, segundo José Manuel Peixoto Caldas, psicanalista e sociólogo do Departamento de Sociologia da Universidade de Barcelona e Kleber Maurício Gessolo, psicólogo da prefeitura de Matão, do interior de São Paulo, em seu texto “Deve-se informar as crianças e adolescentes sobre sua situação imunológica”, cerca de 1,2 milhões de crianças menores de 15 anos enfrentam um futuro com AIDS.
Desde o início da epidemia de AIDS, já morreram um total de 3,6 milhões de crianças. Outro dado importante é que no final de 1999, a AIDS já havia deixado um total acumulado de 11,2 milhões de órfãos, definidos assim como aquelas crianças que, antes dos 15 anos de idade, tenham perdido suas mães.
Muitos desses órfãos, no entanto, perderam também seu pai. Somente no Brasil, entre 1987 e 1999, 30.000 crianças perderam suas mães pela AIDS e, segundo dados do Ministério da Saúde, existem no país 200.000 filhos de mães portadoras do HIV.
É freqüente que os pais de crianças contaminadas pelo HIV prefiram não revelar aos seus filhos o seu estado, com medo do impacto que isso lhes possa causar, até mesmo que esta notícia influa de forma negativa em seu desejo de viver, em sua aceitação no grupo em que vivem, ao mesmo tempo que carregam sentimentos de culpa por terem transmitido a doença.
No entanto, como resultado de um estudo realizado por José Manuel e Kleber Maurício, na Unidade de Psiquiatria Infanto-Juveinl do Hospital Universitário Materno Infantil Valle de Hebrón de Barcelona, ficou claro para os pesquisadores que as crianças que conhecem seu estado em relação ao HIV tem uma maior auto-estima que as que a desconhecem, e os pais que revelaram seu estado aos seus filhos experimentaram menos depressão e angústia que os que não o fizeram.
Segundo recomendações da Academia Americana de Pediatria, os médicos e demais trabalhadores dos serviços sanitários, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, devem aconselhar os pais ou responsáveis de toda criança HIV positiva para que revelem sua situação a respeito de sua doença, adaptando esta informação à idade, não sendo necessárias explicações detalhadas, mas, sobretudo se a criança já apresenta sintomas, convém fazer-lhe compreender a natureza de sua enfermidade, sua possibilidade de cuidar-se e sua responsabilidade em fazê-lo.
“Será necessário prever seus medos e ajudar-lhe a enfrentá-los, esclarecendo suas dúvidas” diz a Academia. Principalmente em idade escolar, sustenta, é importante que a criança tenha conhecimento da sua situação, o que pode ser um processo longo e delicado, que pode requerer um trabalho minucioso com os pais e o filho para conseguir que aceite. Isso pode provocar que a criança afronte seus pais diante da idéia de que são responsáveis pela sua doença, o que os especialistas vem estimulando em sua prática psicoterápica.
Eles utilizam a terapia sistêmica familiar de orientação dinâmica como método para tratar destas situações. Estes dados, no entanto, se aplicam igualmente às crianças afetadas pelo câncer ou outras enfermidades crônicas.
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