Artigos de saúde
A AIDS, desde seu aparecimento em meados de 1981, tem contribuído para uma ampla gama de modificações e redefinições mundiais no que diz respeito ao ato sexual.
Seu surgimento veio como um copo de água fria na mudança do comportamento sexual iniciada na década de 60 nos EUA, onde através do movimento “hippie” tornou-se possível uma maior liberdade da expressão da sexualidade ocidental.
Projeções para o ano de 2000 chegaram a 40 – 100 milhões de pessoas infectadas por todo globo. Enquanto existem diversas áreas focais de epidemia, há outros locais onde o número é ainda modesto, entretanto provavelmente não há sequer um único país que já não tenha conhecido a doença.
Desde o início da década de 80, muito dinheiro tem sido gasto na promoção de pesquisas para se conhecer melhor o agente viral – HIV e suas ações no corpo humano. Ao mesmo tempo, tem-se melhorado os bancos de sangue com o melhor controle dos doadores.
No entanto, mesmo com uma imensa diversidade de programas educativos e sanitários visando a diminuição da transmissão sexual, essa continua sendo a maior forma de propagação dessa moléstia ainda letal. Diante dos vários fatores responsáveis por essa dificuldade tem-se o fato de pouco se saber e ser pesquisado sobre as várias questões referentes à sexualidade humana.
A ignorância sobre esses aspectos pode explicar a deficiência dos programas públicos de prevenção da AIDS.
Foi justamente visando a exploração dessas questões que um grupo de profissionais liderados pelo Dr. Basil Donovan da Universidade de Sydney (Sydney Sexual Health Centre, Sydney Hospital and Department of Public Health and Community Medicine) realizaram um estudo compilando informações sobre as diferentes variáveis do comportamento sexual existentes em várias partes do mundo.
Um resumo desse estudo foi publicado na revista médica Lancet neste ano. Há várias questões levantadas no trabalho, as quais serão apontadas abaixo.
Apesar de terem ocorrido diminuições na incidência e prevalência da AIDS em algumas regiões devido ao uso de programas comportamentais, esses parecem pouco enfatizados em muitas regiões.
Talvez a própria dificuldade humana de falar publicamente sobre sexo pode explicar tal resistência. Essa dificuldade em discutir tais questões abertamente mostra umas das razões pelas quais os líderes políticos dos países onde a infecção pelo HIV chega às mais altas cifras, não utilizam a prevenção com o sexo seguro e nem admitem que suas culturas possuem os pré-requisitos ideais para uma epidemia.
O que é sexo?
Em uma pesquisa com universitários norte-americanos, somente 40% afirmaram que o sexo oral constitui-se em ato sexual propriamente dito assim como 80% consideraram o sexo anal como fazer sexo.
No México, um homem que tem uma relação sexual com outro só é considerado homossexual se estiver na posição passiva. As crianças de rua da Tanzânia consideram sexo vaginal, mas não o sexo homossexual, como ato sexual.
Esses exemplos mostram a grande dificuldade que os próprios cientistas, clínicos, políticos e epidemiologistas de diferentes culturas podem também estar tendo para nomear tais conceitos.
Pessoas que trabalham com sexo, em todo mundo, utilizam camisinha masculina quando estão trabalhando mas não utilizam quando estão transando com seus (as) parceiros (as) não comerciais! As camisinhas transformam o sexo comercial em um sexo menos verdadeiro: a barreira de látex passa a ser também uma barreira psicológica. Esse fato deveria ser pensado na construção de programas comportamentais.
Porque as pessoas fazem sexo?
Há diversas razões pelas quais as pessoas têm relações sexuais. Algumas delas podem estar mais relacionadas com um risco aumentado.
Como exemplos têm-se: trocar prazer, procriação, enriquecimento das relações – expressão de afeto, satisfação de uma necessidade de intimidade e contato físico, liberação de energia, exercício físico, diminuir o tédio, insônia, dar fim a uma ereção, acatar as vontades do (a) parceiro (a), afirmação sexual, fazer dinheiro, satisfazer uma desordem compulsiva, etc.
Muitas vezes, os programas de prevenção desconhecem tais informações. Como exemplo, as mulheres africanas têm pouco poder de negar o sexo diante dos seus parceiros e no entanto, elas foram o foco da campanha preventiva contra o HIV naquela região. As campanhas para os profissionais do sexo devem ter um outro enfoque.
Percebe-se que quanto mais necessário é para uma prostituta seu próximo encontro, menor será sua capacidade de exigir o uso de um preservativo. Sabe-se que uma das maiores razões para se fazer sexo é o prazer e no entanto, poucas pesquisas têm sido feitas explorando o risco-benefício entre o prazer obtido e a probabilidade de se infectar.
As pessoas mudam seu comportamento sexual quando têm o HIV na mente?
Sim, houve uma mudança substancial no comportamento global a esse respeito, especialmente em populações oriundas de regiões com grandes epidemias. Tailândia e Uganda são exemplos de países subdesenvolvidos e Austrália e Holanda, dos países desenvolvidos.
Em todos os lugares onde programas foram implementados aos profissionais do sexo e homossexuais, houve uma mudança importante de comportamento para o sexo mais seguro.
Por que as pessoas não mudam seu comportamento?
Mesmo sabendo que o conhecimento sobre o HIV e sua prevenção são essenciais, torna-se cada vez mais óbvio que o conhecimento sozinho é insuficiente para a maioria dos indivíduos mudarem um comportamento que valorizam e que têm arraigados em seu modo de ser.
Modelos de campanhas empregadas nos EUA enfatizam a decisão individual do sujeito na prevenção. Entretanto, em muitas outras culturas, os comportamentos são muito mais ditados coletivamente o que exige mudanças nessa forma de abordagem.
A vantagem na utilização do termo situação de risco em vez de comportamento de risco, possibilita o estudo e quantificação de fatores momentâneos sociais, estruturais e afetivos que compõe o risco.
Estudos utilizando homossexuais masculinos mostraram que um importante fator no aumento do risco nas relações é a presença de sentimentos afetuosos para com o parceiro.
Dentre todos os comportamentos humanos, sexo é aquele que gera os afetos mais poderosos de forma que modelos de estudo devem urgentemente levar isso em conta para que essas variações possam ser interpretadas. Talvez a maior barreira para o sexo seguro é a percepção equivocada de risco.
Há autores que referem o fato de que muitas pessoas comparam seus próprios riscos com o risco de outrem que por sua vez é muito maior. Assim, elas se sentem mais seguras! Outro fator diz respeito ao uso de drogas: nas sociedades onde o sexo e as drogas são uma importante forma de renda, há maiores dificuldades em modificar o comportamento sexual.
Para o futuro próximo, a diminuição do impacto da AIDS pressupõe uma mudança no comportamento sexual. Com o tempo, inovações biomédicas provavelmente vão levar a uma diminuição da necessidade da intervenção comportamental nessa doença.
Mas essa crença pode criar ilusões de que tais conquistas ocorrerão em pouco tempo. As atitudes e o comportamento sexual levam a várias conseqüências além da AIDS nos campos da biologia, sociologia e economia que por si só justificam as suas pesquisas.
Um dos pontos positivos da pandemia da AIDS foi ter colocado lado a lado, num mesmo instante cientistas sociais, psicólogos, biólogos, epidemiologistas, clínicos, representantes das comunidades e industriais, agentes de saúde e políticos para avaliar e decifrar o imenso mosaico chamado sexualidade humana.
Fonte: Lancet 2000; 355: 1897-1901
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