Artigos de saúde

07 - Melhoria do acesso

As pessoas não usam os preservativos se não tiverem como obtê-los. A distribuição e vendas de preservativos vêm aumentando em alguns países em desenvolvimento que os colocaram à disposição de forma ampla e conveniente e de forma gratuita ou subsidiada por programas de marketing social. Entretanto, não se pode simplesmente assumir que continuará a haver disponibilidade e acesso na medida adequada para atender à demanda sempre crescente.

Disponibilidade

Há escassez de preservativos em algumas regiões, mas as razões muito raramente têm a ver com capacidade insuficiente ou baixos níveis de produção da indústria (230, 233). A atual produção mundial de preservativos está estimada entre 8 a 10 bilhões de unidades por ano (208, 561). O número de fabricantes de preservativos aumentou na década de 90, sobretudo na Ásia (562). Se a demanda de preservativos aumentasse, a produção poderia se expandir rapidamente, de forma a dar um fornecimento adequado ao mercado (560).

Além do Japão e EUA, outros grandes produtores de preservativos são a Índia, Malásia e Coréia do Sul. A China tem produzido cerca de 1,2 bilhões de preservativos por ano, para o uso doméstico (442). Os preservativos são ainda produzidos em muitos outros países (213, 434, 590).

Em muitos países, os preservativos ficaram mais disponíveis na última década (12, 54, 172, 218, 541, 545). Mesmo assim, os preservativos ainda não estão sempre disponíveis a todos que necessitam ou desejam utilizá-los. Na verdade, existem países onde os preservativos são mais difíceis de obter agora do que no passado, porque a demanda cresceu consideravelmente (475). Na África, já foi relatada a escassez de preservativos em muitos países, inclusive Argélia, Botswana, Uganda e Zimbábue (42, 107, 389, 584). A Uganda, por exemplo, enfrentou uma escassez aguda de preservativos no final de 1998. A necessidade de preservativos tinha sido projetada em 10 milhões de unidades por ano, com base nos níveis de demanda de 1994, mas a demanda anual aumentou para 30 milhões, de acordo com os dados de um programa nacional de controle da AIDS (290).

Os países asiáticos também enfrentaram a falta de preservativos. Na Índia, a Organização Nacional de Controle da AIDS informa que a produção doméstica de preservativos é suficiente para satisfazer o aumento da demanda (528). No entanto, uma pesquisa no Distrito de Agra, Uttar Pradesh, constatou que, entre as mulheres que já foram casadas alguma vez e que usavam preservativos à época da pesquisa, somente 29% contavam com uma fonte regular de suprimento durante os três meses prévios, 59% tinham um suprimento irregular e 12% não conseguiam receber os preservativos (364). Na China, algumas áreas rurais não têm recebido suprimento adequado de preservativos do governo (329). Em Bangladesh, a escassez prejudicou a distribuição em 1995 (264).

Apesar dos preservativos já serem produzidas em países em desenvolvimento (207), a maioria ainda depende de organizações doadoras como fonte principal de financiamento para a obtenção de preservativos e outros anticoncepcionais, sendo que, no passado os doadores responderam à crescente demanda. De 1994 a 1997, o apoio dos doadores à obtenção de produtos anticoncepcionais aumentou em mais de 50% se comparado aos períodos anteriores de 4 anos cada (546). Mas será que os doadores poderão ou estarão interessados em cumprir este papel se a demanda futura aumentar rapidamente?

O maior fornecedor de preservativos aos países em desenvolvimento, a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), reduziu suas compras e fornecimento de preservativos, passando de 800 milhões de unidades por ano, em 1990 e 1991, para menos de 300 milhões em 1997.

Em 1998, houve uma pequena recuperação, quando as compras atingiram um pouco menos de 500 milhões de unidades (124). As reduções nas compras da USAID foram provocadas por vários fatores: restrições orçamentárias (verbas inalteradas apesar da expansão das atribuições da organização), em parte a mudanças na combinação de países que recebem assistência da USAID, e o fato de que outros doadores passaram a contribuir relativamente mais. Apesar dos programas de compras da USAID para países específicos poderem mudar por várias razões, a USAID não revelou nenhuma intenção de cancelar seus programas de compras e fornecimento (125).

A maioria dos doadores não parece ter muitas oportunidades de conseguir mais preservativos com os mesmos recursos de que dispõem. Para baixar seus custos, as instituições doadoras já tentam comprar os preservativos pelo preço mais baixo possível, sem afetar o nível de qualidade exigido. Atualmente, o preço mais baixo pago pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) é de aproximadamente 3,3 dólares a grosa (incluindo amostras retiradas e realização de testes), ou cerca de 2,3 centavos de dólar por unidade (200). Mas a USAID é obrigada a comprar de fabricantes americanos, cujo preço atual está estimado em 5 centavos de dólar por unidade (125).

Alguns doadores procuram persuadir os programas dos países em desenvolvimento a gerarem renda suficiente com a vendas de anticoncepcionais para poderem continuar por sua própria conta, sem produtos doados ou subsidiados (475). Estas políticas refletem necessariamente a tentativa de deixar de por a ênfase no fornecimento de preservativos doados (125). Mas são poucos os programas dos países em desenvolvimento que poderão cobrar dos usuários, em breve, pelo custo total dos preservativos (497). Por isso, os programas terão que continuar a depender da ajuda externa para garantir que mesmo as pessoas mais pobres tenham acesso aos preservativos (124).

Marketing social

Os preservativos são muito apropriados para o sistema de marketing social, que promove a distribuição de preservativos por meio de estabelecimentos comerciais a preços subsidiados, aproveitando para promover vigorosamente seu uso (172). O marketing social geralmente se baseia em preços subvencionados por instituições doadoras e promoção por meios de comunicação de massa. Segundo sua definição mais formal, o marketing social é um "processo que adapta táticas já provadas de marketing para aumentar a conscientização, mudar atitudes e modificar o comportamento social", como forma de vender um produto ou promover uma prática qualquer (477).

Veja Figura 11

Os programas de marketing social adotaram abordagens diferentes. Alguns programas enfatizaram o aspecto de recuperação dos custos e, portanto, estabeleceram os preços dos produtos de forma a gerar mais receitas. Outros mantiveram os preços baixos de forma a maximizar o volume de vendas. Uma comparação de 24 programas de marketing social, feita em 1991, constatou, fato não surpreendente, que os preços mais baixos resultaram em maior volume de vendas (231).

Os programas de marketing social aumentaram dramaticamente o acesso aos preservativos em muitos países. Talvez o marketing social tenha sido a contribuição mais importante que o campo do planejamento familiar fez à prevenção da HIV/AIDS e outras ISTs (608). Em 1991, havia programas de marketing social funcionando em 37 países em desenvolvimento, os quais venderam cerca de 575 milhões de preservativos (587). No final de 1997, estes programas já funcionavam em pelo menos 55 países, a maioria deles auxiliados pela Population Services International (PSI), DKT International ou SOMARC (Social Marketing for Change) e o apoio da USAID e outras instituições doadoras tais como o UNFPA. Em 49 destes países, os programas vendiam os preservativos e o total das vendas aos estabelecimentos varejistas foi de cerca de 900 milhões (ver a figura 1).

Em alguns países, o crescimento das vendas foi enorme. No Brasil, talvez o melhor exemplo, as vendas da DKT aumentaram de 406.000, em 1991, para mais de 33.000.000, em 1997 (143, 587).

O maior programa de marketing social do mundo está na Índia. O governo compra os preservativos dos fabricantes locais a preços mais baixos no atacado e vende-os organizações de marketing social sem fins lucrativos e a companhias privadas por 30% do preço pago pelo governo.

As companhias privadas vendem normalmente os preservativos a um preço mais elevado (235, 527). O maior programa de marketing social não governamental funciona em Bangladesh, onde, em 1997, foram vendidos 140 milhões de preservativos com o apoio da USAID e da União Européia (143). Além disso, os programas de marketing social vendem preservativos femininos em pelo menos sete países, sob o patrocínio da PSI (143, 428).

Fazendo um balanço: será que os programas de marketing social retiram clientes das marcas comerciais? Aparentemente não em larga escala, embora seja possível constatar um certo efeito de substituição em alguns países onde o uso anticoncepcional está amplamente difundido (12, 489).

Pesquisas feitas com os clientes do marketing social mostram que muitos deles estão usando os preservativos pela primeira vez e, freqüentemente, estão também utilizando pela primeira vez um método de planejamento familiar (531). No Brasil, por exemplo, onde o total das vendas aumentou depois da introdução do marketing social, a maioria dos compradores de preservativos subsidiados era de pessoas de baixa renda, não atendidas anteriormente. As marcas comerciais de preservativos continuaram a ser vendidas para pessoas de média e alta renda (169).

Veja Figura 12

A redução dos preços aumenta o acesso

O preço dos preservativos—sejam eles oferecidos gratuitamente, subsidiados ou a preços comerciais—tem forte influencia sobre o número de preservativos que serão usados (236). Existem muitos exemplos de reduções de preço que impulsionaram as vendas de preservativos. No Haiti, quando um programa cortou os preços à metade, as vendas mais que dobraram (144, 441). No Brasil, a introdução de preservativos subsidiados triplicou o volume total do mercado (587).

Do mesmo modo, o aumento dos preços reduz a venda de preservativos, como ocorreu em Zimbábue depois de uma tentativa do governo de recuperar os custos (90). Em Bangladesh, quando os preços de cinco marcas de anticoncepcionais vendidos pelo programa de marketing social aumentaram em média 60%, as vendas de preservativos diminuíram 46% durante os próximos 12 meses, antes de recuperar-se (103).

No Paquistão, um aumento no preço de um preservativo comercializado socialmente resultou em expressiva redução de seu uso por parte dos usuários de baixa renda (132). Alguns fornecedores públicos de preservativos passaram a cobrar da maioria dos clientes, mantendo, porém isenções e escalas móveis de pagamento pelos serviços para não ter que recusá-los aos clientes mais pobres (548). Se aqueles que podem pagar pelos serviços são estimulados a fazê-lo, os mais necessitados poderão ser melhor atendidos (535).Os recursos que antes eram destinados a prestar serviços e produtos a famílias de renda média poderiam ser redirecionados para abastecer um maior número de famílias mais pobres (418).

Em alguns países o setor privado está entrando mais na prestação de serviços de saúde reprodutiva (78, 535). Em Uganda, por exemplo, onde a demanda por preservativos aumentou fortemente, 70% dos preservativos importados são comprados pelo setor privado (376). Os preços no comércio variam muito de um país para outro e mesmo dentro de um só país. Uma pesquisa de 1993 constatou que os preços ao redor do mundo variavam desde um ou dois centavos de dólar até um dólar por unidade (461).

Nos países em desenvolvimento, os preços dos preservativos no comércio podem ser muito altos para a maioria dos consumidores. Os preservativos importados estão geralmente sujeitos ao pagamento de taxas alfandegárias, impostos e licenças que podem aumentar substancialmente seus preços (128, 295, 461). Os custos também podem aumentar devido ao transporte internacional e às margens cobradas por distribuidores, atacadistas e varejistas (489).

Distribuição gratuita?

Se os preços baixos impulsionam as vendas de preservativos, então seu fornecimento gratuito, como o fazem muitos programas governamentais e organizações não governamentais, deveria aumentar seu uso ainda mais. Em algumas situações, a distribuição gratuita aumentou o uso, enquanto que o cancelamento de tal fornecimento gratuito provocou reduções no uso. Por exemplo, quando terminou a distribuição gratuita de preservativos a refugiados no norte de Uganda, passando-se a vendê-los, a distribuição caiu para menos de 10% dos níveis anteriores (252).

Entretanto, os preservativos obtidos de graça podem não ser usados tanto quanto os comprados (350). Na República dos Camarões, por exemplo, um estudo mostrou que metade das pessoas que obtiveram preservativos de graça nunca os usaram, ao passo que somente 10% das pessoas que compraram não os usaram (351). O pagamento do preservativo demonstra uma intenção de usá-lo, o que não acontece necessariamente quando ele é recebido gratuitamente (564). Além disso, as pessoas acreditam que os preservativos distribuídos de graça são de qualidade inferior (230, 351, 422). A distribuição gratuita poderá não melhorar o acesso se o suprimento não for suficiente ou se os preservativos somente estiverem disponíveis em clínicas de saúde muito espalhadas (425).

Controle logístico. Para aumentar o acesso, a maioria dos programas deve tornar-se mais eficiente na distribuição de preservativos (125). É até possível evitar ou reduzir uma escassez local ou nacional por meio de uma boa programação (199, 562, 563), ou seja, procurando estimar corretamente a demanda e providenciando um fornecimento e suporte adequados para satisfazê-la (591). Um bom controle logístico e previsão pode aumentar a disponibilidade dos preservativos, evitando grandes estoques sem distribuição eficaz.

Expansão e ampliação de centros distribuidores

Quanto mais pontos de venda ou distribuição houver, melhor o acesso aos preservativos. Na maioria dos países, eles são distribuídos por vários canais que incluem programas de marketing social, vendas em farmácias e outros estabelecimentos comerciais, e distribuições feitas por governos, ONGs e empregadores. Se encontrarmos ainda outras formas de fornecer preservativos, poderemos atingir novos grupos de usuários em potencial. Além disso, com o melhor acesso, os preservativos se tornam mais visíveis e as pessoas mais familiarizadas com o produto, o que ajuda a vencer possíveis tabus (127, 569).

Nos países onde o governo é tradicionalmente a principal fonte de suprimento de preservativos, um papel mais ativo do setor privado poderá melhorar o acesso. Na China, por exemplo, o governo foi, durante muito tempo, o único fornecedor de preservativos (461). Agora, a Fábrica Qingdao Látex da China produz sua própria marca de preservativos para o varejo, chamada de Borboleta Dupla, e assinou um acordo com o London International Group para produzir, comercializar e vender os preservativos Durex em Pequim, Xangai e Chanchung (325, 443).

A venda de preservativos em outros estabelecimentos, além das farmácias, pode fazer aumentar as vendas. Entre os tipos de estabelecimentos que já foram usados estão lojas de artigos gerais, supermercados, clubes sociais, clubes noturnos, salões de beleza, bares, hotéis, casas de hóspedes, quiosques, feiras de rua, postos de gasolina, taxis e até mesmo barcos de transporte fluvial (244, 275, 317, 399, 423, 469, 516). Por mais de uma década, as organizações da Tailândia e do Brasil estimularam hotéis e motéis a colocarem preservativos gratuitos nos quartos dos hóspedes (205, 572). Uma boa estratégia seria colocar pontos de venda ou distribuição de preservativos em locais onde se reúnem pessoas de alto nível de risco (106, 234), por exemplo, instalações militares, dormitórios universitários, resorts ou locais turísticos, centros de transporte, paradas de caminhões, clínicas de tratamento de drogas, bares e até nas próprias ruas, especialmente nas áreas onde existe o comércio do sexo (155, 520).

As prisões são locais onde o HIV dissemina-se rapidamente, mas poucos prisioneiros têm acesso aos preservativos. As autoridades ficam divididas entre a necessidade de conter a disseminação da HIV/AIDS e não dar a impressão de que toleram o sexo entre homens (399, 606).

A disponibilização de preservativos a qualquer hora do dia ou da noite também pode ajudar (234). As máquinas de venda automática de preservativos preservam o anonimato do com prador e são muito convenientes e, por isso, podem melhorar o acesso (95, 97). Um projeto da prefeitura de Moscou, denominado "Cápsula do Amor", passou a exigir que todos os locais de diversão noturna tais como discotecas, bares, cassinos e restaurantes coloquem à disposição máquinas de venda automática de preservativos (37, 258). Na Inglaterra, já existem 38.000 máquinas de venda automática de preserva tivos em bares, pubs e outros lugares de lazer das pessoas (354).

Os programas de planejamento familiar usam há muito tempo o sistema de distribuição comunitária (SDC), sobretudo em áreas rurais e outras áreas que não dispõem de outros pontos de venda ou distribuição (41, 265, 333, 421, 461, 593). Os programas de prevenção de ISTs também usam a abordagem de SDC para atingir os grupos de alto risco (605).

Também há alguns anos, os programas de planejamento familiar baseados no local de trabalho distribuem preservativos e outras informações e suprimentos de planejamento familiar, atendendo sobretudo aos homens (221, 448, 452). Cada vez mais, os proprietários e gerentes das empresas demonstram interesse na prevenção do HIV/AIDS e outras ISTs, porque estas doenças provocam ausências no trabalho, perda de empregados valiosos e altos custos de saúde (12, 66).

Os preservativos estão sendo oferecidos em uma variedade cada vez maior de locais de trabalho. Na República Domini cana, por exemplo, o programa de prevenção da AIDS distribui preservativos a pessoas que trabalham em hotéis (66). Em Zâmbia, as agências do Barclay’s Bank distribuem preservativos gratuitamente aos funcionários e, na África do Sul, a companhia de alumínio Billiton coloca preservativos à disposição dos empregados em todos os banheiros (348). Em Zimbábue, a União Comercial dos Fazendeiros distribui preservativos de graça nas lojas de insumos agropecuários, nas cervejarias e nos pontos de pagamento (66). Em Uganda, um projeto de prevenção da AIDS, levado a cabo em âmbito nacional pela Federação dos Empregadores de Uganda, distribui preservativos em locais de trabalho em todo o país, treinando os funcionários para promover e distribuir preserva tivos aos colegas de trabalho (150, 468).

Muitos países distribuem preservativos aos militares, que correm alto risco de contrair as ISTs pois são freqüentemente jovens e sexualmente ativos, vivem longe de casa e têm a tendência de se julgar invulneráveis (247, 579). Por exemplo, em Gana, as forças armadas e a polícia nacional usaram uma abordagem de marketing social para vender preservativos a preços mais baixos nos quartéis, lojas do exército e cantinas (66). Na Nicarágua, o pessoal do exército e da polícia é obrigado a ter sempre consigo um preservativo (38). Em Uganda, o exército distribuiu preservativos não apenas nas instalações militares mas também em lugares próximos às mesmas, freqüentados por soldados (466). O exército da África do Sul submete agora os novos recrutas a testes de HIV e distribui preservativos aos soldados (607).

Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs, The Johns Hopkins School of Public Health, 111 Market Place, Suite 310, Baltimore, Maryland 21202-4012, USA