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ESPECIAL: Internet Ajuda a Engravidar, Mas Alimenta Obsessão

Por Fernanda Ravagnani

SÃO PAULO (Reuters)
- Elas não usam só o nome para assinar suas mensagens na Internet. Números e códigos, como em "Kirsten 2/5/25 10dpo", informam ao mundo o dia do ciclo menstrual em que estão, se já ovularam ou não e quando, há quantos meses estão tentando engravidar, se já têm filhos e quantos.

São as milhares de mulheres que entram na Internet religiosamente, todos os dias, para "aprender" a engravidar -- e compartilhar a tentativa com outras na mesma situação.

Não têm necessariamente problemas de fertilidade. Apenas estão "tentando", e a Internet as ensina a conhecer melhor o corpo e a tentar controlá-lo -- tentativa que, de acordo com psicólogos e médicos, não passa de uma ilusão.

Vários sites, a maioria norte-americanos, ensinam métodos para engravidar, dos quais o mais popular é o controle da temperatura para detectar a ovulação. É mais ou menos aquilo que todos sabem: medir a temperatura todos os dias no mesmo horário, antes de levantar da cama. Quando ela sobe cerca de 1 grau Celsius, é porque a mulher está ovulando.

Parece simples, mas, seguindo o que os sites ensinam, elas elaboram tabelas complicadas para descobrir, aliando a temperatura ao controle do muco cervical e da posição do cérvix, o dia exato da ovulação, se houve fecundação e, bem antes do atraso menstrual, a possível gravidez.

Existem até sites que montam os gráficos para as mulheres, informando a elas qual a possibilidade de estarem grávidas ou o dia exato da ovulação.

Um dos maiores sites sobre preconcepção é o http://www.babycenter.com, dos Estados Unidos. Ali há vários fóruns de discussão, e as mulheres que estão "tentando" formam grupos de acordo com a fase em que estão de seu ciclo menstrual. Passam, então, diariamente, a trocar informações detalhadas sobre como está sua secreção vaginal, de quanto foi a temperatura, se o cérvix estava alto ou baixo, se é o dia ideal para ter relações etc., tudo num dialeto cheio de siglas e códigos, regado a piadas e fofocas.

O site tem 1,6 milhão de usuárias registradas, afirmou à Reuters seu vice-presidente editorial, Jim Scott. Pelas estatísticas mais recentes do MediaMetrix, que mede a audiência na Internet, só em setembro o site recebeu 1,7 milhão de visitantes únicos -- mais que o Uol, maior site brasileiro, que teve cerca de 1,2 milhão de visitantes únicos em outubro, segundo o mesmo instituto.

As informações do site são úteis e podem ajudar a engravidar, principalmente porque o controle ensinado ali é o modo mais barato e acessível de detectar com eficiência a ovulação sem assistência médica, diz Eduardo Motta, médico do centro de medicina reprodutiva Huntington.

O problema é que, com o monitoramento diário de temperatura, a observação atenta do mínimo sinal de gravidez e a descrição de tudo isso em detalhes nos grupos de discussão dos sites, a mulher passa a viver em função da possibilidade de engravidar, mesmo que não tenha problemas de fertilidade. Uma simples menstruação se transforma numa enorme frustração.

OBSESSÃO PODE ATRAPALHAR PRODUÇÃO HORMONAL

"Só o fato de ir todo dia ao site já demonstra um nível de ansiedade muito grande", explica a psicóloga Helena Loureiro Montagnini, do setor de reprodução humana da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp).

O excesso de ansiedade cria uma obsessão que acaba atrapalhando o processo, podendo até interferir na produção hormonal, diz Montagnini. Para a psicóloga, as mulheres buscam nas informações distribuídas por esse tipo de site a tentativa de ter controle total sobre o corpo. A ilusão de controle é alimentada, segundo Montagnini, pela eficiência dos métodos contraceptivos, como a pílula.

"Como a mulher tinha o poder de impedir a gravidez com a pílula, acha que também vai ser capaz de determinar a gestação quando quiser", diz Montagnini.

A ilusão de onipotência pode causar uma grande angústia, quando a mulher se dá conta de que não pode controlar o corpo. Os médicos consideram normal demorar até um ano para engravidar. De acordo com a psicóloga, as mulheres hoje procuram tratamento médico muito antes disso.

Um bom exemplo da obsessão que os sites alimentam é o uso dos testes de gravidez caseiros, feitos com urina e comprados na farmácia. Como são cada vez mais sensíveis, dependendo do teste é possível detectar a gravidez 11 ou 12 dias depois da fecundação, ou seja, em média três ou quatro dias antes do atraso menstrual, considerando um ciclo de 28 dias.

Nos grupos de discussão, as mulheres contam que têm testes escondidos nas gavetas e se seguram para não correr para o banheiro para tentar ver o tão sonhado resultado positivo.

Se ele não aparece, a esperança não está perdida, porque a quantidade de hormônio na urina pode ser ainda muito pequena para ser detectada. Ou seja, dali a um ou dois dias o teste pode dar positivo. Então por que não testar de novo?

Numa pesquisa feita pelo Babycenter com 18.481 mulheres, 21 por cento, ou seja, quase 4.000, disseram já ter gasto mais de 80 dólares com testes de gravidez. Considerando o custo médio de um teste nos EUA, elas já usaram pelo menos dez.

Por isso, é preciso tomar cuidado, alerta a psicóloga Debora Seibel, que também trabalha com reprodução. "É bom conversar com as pessoas e se informar, mas não se pode usar o site como uma droga, ficar prisioneira da idéia de engravidar", diz.

Veja -- sem esquecer a advertência da psicóloga -- quais são os principais sites sobre preconcepção (no Brasil eles ainda não são populares, por isso todos estão em inglês): babycenter.com, tryingtoconceive.com, fertilityfriend.com, lifecyclesoft.com, pregnancytoday.com, webwomb.com, women.com

Sinopse preparada por Reuters Health

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