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Doença de Crohn e gravidez

© Equipe Editorial Bibliomed

Neste artigo

- Introdução
- Quais os efeitos da doença de Crohn sobre a gestação?
- Quais os efeitos da gestação sobre a doença de Crohn?
- Como é o tratamento da doença de Crohn na gestante?

Introdução

A doença de Crohn foi descrita, pela primeira vez, por Crohn et al., em 1932, sendo chamada na época de "ileíte regional" (inflamação localizada de uma parte do intestino delgado). Estudos posteriores possibilitaram entendê-la como uma enterite (inflamação intestinal) transmural (que acomete toda a espessura da parede do tubo digestivo), crônica e de etiologia desconhecida.

Observa-se que essa doença pode acometer qualquer parte do trato gastrintestinal, mas atinge, preferencialmente, o íleo distal, os cólons (intestino grosso) e a região anorretal. Um dos aspectos característicos da doença de Crohn é a demarcação nítida do acometimento segmentar do intestino, de modo que segmentos enfermos são separados por intestino normal. Na fase inicial, ocorre um espessamento globoso, com inchaço e vermelhidão da mucosa intestinal, resultando em minúsculas ulcerações. Nos casos crônicos, úlceras e fissuras podem penetrar profundamente e formar trajetos fistulosos (comunicações, como se fossem canais) com outras alças do intestino, aumentando a ocorrência de abscessos no interior do abdome.

Quais os efeitos da doença de Crohn sobre a gestação?

Trabalhos publicados nas décadas de 1950 e de 1960 levaram à ideia de que a doença de Crohn apresentava efeitos ruins sobre a gestação. A origem de tal conceito decorreu do fato de que, naquela época, os corticoides e a sulfassalazina (medicamentos usados no tratamento da doença de Crohn), bem como o tratamento cirúrgico, não eram utilizados tão amplamente como passaram a ser nas décadas seguintes. Estudos mais recentes têm demonstrado os reais efeitos da doença sobre o processo reprodutivo.

A fertilidade parece ser igual ou levemente reduzida nas pacientes portadoras da doença. Essa diminuição poderia estar relacionada à eventual obstrução da tuba pelas complicações intra-abdominais da doença de Crohn, à diminuição da libido, às deficiências nutricionais decorrentes da doença e, em especial, à própria atividade inflamatória da doença ativa. Por outro lado, a fertilidade reduzida pode representar mais a escolha da paciente, refletindo a falta de desejo de engravidar devido à debilidade do estado geral. No entanto, infertilidade sem causa aparente é mais frequente nas mulheres submetidas a cirurgia devido à doença de Crohn.

Evidências indicam que o fator mais importante para o prognóstico gestacional, em mulheres portadoras de doença de Crohn, é a atividade da doença no início da gravidez. Nas pacientes com doença em remissão, a frequência de aborto espontâneo, de partos prematuros, de malformações fetais e de recém-nascidos de baixo peso é semelhante àquela da população geral, ou seja, se a doença não estiver em atividade, não há nenhum aumento do risco de complicações na gestação.

No entanto, a situação obstétrica, em portadoras da doença de Crohn pode se alterar nos casos em que a concepção ocorre na fase inicial da doença, ou coincide com exacerbações observadas ao longo do seu curso. Em 1990, foi publicado um estudo com 78 gestantes, sendo observado que 27% delas apresentaram anormalidades, como aborto espontâneo, prematuridade, retardo de crescimento intra-uterino e problemas respiratórios do recém-nascido. Essas complicações ocorreram em 21% das pacientes com doença inativa, mas em 50% daquelas com doença ativa, mostrando a influência negativa da atividade da doença sobre o resultado perinatal. Deve-se, portanto, enfatizar a importância de se planejar a gravidez para períodos de remissão da doença.

Com relação ao parto, pesquisas mostram alta taxa de acometimento do períneo pela doença de Crohn, após realização de parto vaginal com episiotomia (incisão realizada na região perineal, durante o parto normal, para facilitar a passagem do bebê e evitar o esgarçamento das fibras musculares), mesmo em casos sem existência prévia de doença no local.

De modo geral, as evidências disponíveis indicam que a doença de Crohn não constitui contra-indicação para a gravidez e nem para o parto, devendo-se preferir que a gravidez ocorra durante o período de remissão da doença.

Quais os efeitos da gestação sobre a doença de Crohn?

A ideia de que a gravidez apresenta efeitos adversos sobre a doença de Crohn não é verdadeira. A maioria das pacientes com doença inativa no momento da concepção tende a permanecer assintomática durante a gestação. Observa-se que menos de um terço dessas pacientes poderão reativar a doença neste período, o que ocorre, mais frequentemente, no primeiro trimestre da gravidez ou no puerpério (período que se segue ao parto).

No entanto, essa taxa é semelhante à encontrada em mulheres não-gestantes, portadoras da doença, observadas durante um período equivalente ao da gestação. Em 1990, um trabalho mostrou que 25% das gestantes com doença inativa tiveram recidivas, mas 44% daquelas com doença ativa apresentaram melhora do quadro. Vários trabalhos têm evidenciado ausência de efeitos da gestação sobre a doença de Crohn. Em alguns casos, pode haver ligeira piora da doença durante a gravidez, caracterizando-se por episódios de diarréia, emagrecimento e ganho de peso inadequado durante a gestação.

A variabilidade própria da doença não permite predizer a evolução da gestação em curso. A tendência atual é acreditar que o curso da doença dependerá da atividade da mesma, não só antes, como também durante a gravidez.

Como é o tratamento da doença de Crohn na gestante?

O controle da doença de Crohn requer acompanhamento cuidadoso dos casos e tratamento clínico e/ou cirúrgico. Ressalta-se que a terapia, durante a gravidez, assemelha-se muito àquela dispensada a pacientes fora da gestação.

A paciente deve receber uma dieta adequada às suas necessidades nutricionais. Aquelas com acometimento ileal devem evitar o excesso das fibras pelo risco de obstrução região do intestino. Nas pacientes com esteatorréia (diarréia devido a má-absorção de gorduras), a menor ingestão de gorduras melhora a diarréia.

A gestante hospitalizada representa um problema terapêutico diferente. Uma conduta nesse grupo é fazer "repousar" o intestino afetado, removendo-se o estímulo da ingestão alimentar. Em casos mais graves ou de fístulas, pode ser utilizado o suporte nutricional parenteral (a dieta pela boca é suspensa e os nutrientes são fornecidos diretamente na veia da paciente).

Com relação à terapia medicamentosa, o tratamento sintomático para a dor abdominal se faz por meio de analgésicos e antiespasmódicos. Não se utilizam antidiarréicos. As drogas mais frequentemente utilizadas com finalidade antiinflamatória são os corticosteróides, a sulfassalazina e, ocasionalmente, os agentes imunossupressores.

As observações mostram que os efeitos da inflamação associada à doença, sobre o feto, durante a fase ativa da doença, são mais prejudiciais que o tratamento medicamentoso. No que se refere ao tratamento cirúrgico, suas indicações não se modificam por causa da gravidez.

Copyright © 2019 Bibliomed, Inc.                                        05 de julho de 2019