Artigos de saúde
A dificuldade de se elaborar programas para a cura do vício dos cigarros pode estar
chegando ao fim, ou pelo menos, uma luz no fim do túnel já começa a despontar. Após
décadas de estudos sobre o tabagismo, muito já se conhece sobre os diversos mecanismos
promotores do vício da nicotina. Compreende-se o tabagismo como uma doença crônica e
tenta-se, no momento, novas abordagens medicamentosas e de aconselhamento. Até algum tempo atrás, sabia-se de poucas estratégias capazes de reduzir significativamente o consumo de cigarros, sendo que aquelas pessoas que conseguiam se livrar do vício, o
faziam por esforço próprio, sem o benefício de tratamentos efetivos. Há, na
atualidade, uma confluência de fatores que contribuem para uma maior possibilidade de se
conseguir resultados positivos nessa luta contra o vício: 70% dos fumantes querem parar
de fumar completamente, 46% tentam parar todo ano, 70% de fumantes procuram uma
assistência especializada de ajuda para deixarem o vício todos os anos e agora,
tratamentos efetivos existem.
Histórico
Em 1998, um consórcio de sete organizações governamentais e ONGS, coordenado pelo
Dr. Michael C. Fiore, do Centro de Pesquisa e Intervenção sobre o Tabagismo da Faculdade
de Medicina da Universidade de Winsconsin - EUA, fez uma revisão da literatura sobre o
tema até 1999. Aproximadamente 6.000 artigos formam revistos. Os artigos até então
publicados foram submetidos a metanálises (comparações estatísticas) sobre os diversos
temas referentes ao tabagismo. Os resultados desse estudo sem precedentes foi publicado
dentro do US Public Health Service Report (Relatório do Serviço de Saúde Pública dos
EUA) com o nome "Treating Tobacco Use and Dependence: A Clinical Practice
Guideline" (Tratando o Uso e Dependência do Tabaco: Um guia sobre a Prática
Clínica). Esse guia tem como alvo três grupos de audiências principais: o amplo grupo
de clínicos que têm no tratamento do tabagismo mais uma de suas atividades,
especialistas em tratamento de tabagismo, e profissionais ligados à área de
administração de planos de saúde pública e privada que têm a capacidade de
implementar mudanças no sistema que visem a apoiar tais tratamentos. O título do estudo
contém três grandes verdades sobre o consumo do tabaco: primeiramente, todos os produtos
relacionados ao tabaco, não somente os cigarros, levam a custos enormes para a saúde
pública numa nação; em segundo lugar, o uso do tabaco pela maioria das pessoas está
relacionado com dependência física e psíquica assim como vários outros vícios
(opiáceos, anfetaminas e cocaína) e por último, o uso crônico de tabaco necessita de
intervenções repetidas a longo prazo, assim como em outras doenças relacionada com a
adição de substâncias químicas.
O tabagismo como uma doença crônica
Existem várias características do tabagismo que o assemelham a uma doença crônica.
Uma minoria dos fumantes consegue a abstinência após a primeira tentativa. A maioria se
mantém num ciclo de abstinência e recaída. O não reconhecimento dessa condição pelos
médicos, pode levar a uma desmotivação dos mesmos no tratamento consistente do
tabagismo. Dessa forma, assim como no seguimento de doenças como o diabetes e a
hipertensão arterial, o tabagismo deve ser enfrentado com um aconselhamento constante
somado à opção medicamentosa. A revisão literária acima exposta demonstrou que dentre
aquelas pessoas que tentam parar de fumar pó si só, somente 7% obtém sucesso, o qual
pode ser ampliado para 15% a 30% através das medidas recomendadas pelo Guideline. De
acordo com o Guideline, essa intervenção é custo-efetiva devido à diminuição, a
longo prazo, da incidência de doenças conseqüentes ao tabagismo.
Recomendações Principais do Guideline
Avaliando o uso do tabaco
O primeiro passo é a identificação de tabagistas. Aproximadamente 70% de
fumantes visitam um médico todos os anos, 50% visitam um dentista de forma que a
identificação por esses profissionais já permite uma primeira avaliação sobre as
características de cada tabagista assim como sua vontade de deixar o vício.
Intervenções Clínicas Rápidas
São intervenções realizadas principalmente por clínicos generalistas que têm
pouco tempo disponível com cada paciente. Demoram geralmente três minutos e podem ser
realizadas em toda população incluindo adolescentes, gestantes, tabagistas mais velhos e
minorias étnicas e raciais. Deve-se ter parcimônia na utilização de medicações em
alguns tipos de populações (quando há contra-indicações médicas, uso de menos de dez
cigarros por dia, mulheres que estão amamentando e adolescentes). As intervenções
rápidas podem ser feitas em três grupos de pacientes: tabagistas atuais que querem parar
de fumar, tabagistas atuais que não querem parar de fumar e ex-tabagistas que pararam
recentemente.
Tabagista que quer fazer a tentativa rápida: "cinco As". Pergunte
(Ask) à pessoa se ela quer parar de fumar. Aconselhe-a (Advise) para o
fazer. Avalie (Asses) a vontade de parar de fumar. Auxilie (Assist) aqueles
que querem fazer uma tentativa. Organize (Arrange) retornos freqüentes para
prevenir recaídas. A terapia medicamentosa deve ser feita em todas pessoas submetidas a
intervenções rápidas, salvo contra-indicações, menos de dez cigarros por dia ou
adolescentes. Tabagista que não quer fazer a tentativa rápida: deve-se promover
primeiramente a motivação para a abstinência através de informações bem colocadas.
Algumas características do entrevistador estão relacionadas com um maior sucesso, quais
sejam: ser empático, evitar discussões, possibilitar opções incentivando a autonomia
da pessoa e suporte à sua auto-estima através da identificação de sucessos anteriores
no que diz respeito a mudança de comportamento. Isso é feito através da exposição dos
"cinco Rs". Relevância (Relevance), riscos (Risks), ganhos (Rewards),
obstáculos (Roadblocks) e repetição (Repetition). Tabagista que acabou
de para de fumar: deve-se fazer a prevenção das recaídas. Deve-se reforçar a
decisão do paciente, rever os benefícios da abstinência e resolver quaisquer problemas
residuais resultantes da ausência do tabaco. Essa intervenção pode ser efetuada
através de retornos ao consultório, chamadas telefônicas ou em qualquer encontro com o
ex-tabagista. Deve-se dividir esse grupo de pessoas em: aquelas que não estão tendo
problemas com a abstinência e aquelas que o estão tendo. Há intervenções diferentes
para cada grupo.
O tratamento medicamentoso pode ser feito com drogas de primeira linha que são: adesivo
de bupropiona, goma de mascar de nicotina, aerosol de nicotina, nicotina inalatória e
adesivo de nicotina. Duas drogas de segunda escolha têm eficácia comprovada: clonidina e
nortriptilina.
Intervenções Sistêmicas
São muito importantes devido à sua abrangência, ou seja, têm uma capacidade de
informar milhares de pessoas previamente à consulta médica. Assim, da mesma forma que os
médicos, os profissionais de saúde como um todo (administradores, seguradoras,
políticos) devem assumir a responsabilidade de abordar o tabagismo. O Guideline formulou
seis estratégias de intervenções sistêmicas: (1) implementação de um método de
identificação de tabagistas em cada clínica; (2) manter os provedores informados sobre
o processo para que haja um "feedback" de informação; (3) promover
formação de grupos de profissionais especializados no tratamento e fazer avaliações
periódicas dos mesmos; (4) promover normas hospitalares que apóiam os serviços de
combate ao tabagismo; (5) manter os serviços de tratamento do tabagismo cobertos pelos
planos de saúde; (6) reembolsar médicos e especialistas por cada tratamento efetuado com
sucesso.
Aspectos Econômicos do Tabagismo e Intervenções no Sistema de Saúde
O custo-benefício da intervenção ao tabagismo é muito efetivo. A diminuição
do tabagismo está relacionada com uma diminuição de doenças cardiovasculares,
pulmonares, câncer, hospitalizações, menor número de recém-nascidos de baixo peso e
menor incidência de distúrbios físicos, cognitivos e emocionais nos filhos de mães que
fumaram durante a gestação. A falta de cobertura pelos planos de saúde sobre o
tratamento do tabagismo pode vir a ser uma dificuldade importante. Entretanto, devido ao
aumento da taxa de abstinência estar relacionada com o número de tratamentos, o
guideline reforça a importância desta cobertura tanto pela saúde pública quanto pela
saúde privada.
Fonte: JAMA 2000;283:3244-3254
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