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AIDS: O Que Melhorou com as Novas Drogas?

Após cerca de vinte anos dos primeiros casos descobertos de AIDS em homossexuais norte-americanos, muito se evoluiu no conhecimento dessa doença e (por isso) ela própria tem modificado suas manifestações e sua história natural.

Naquela época, a AIDS levava ao óbito num curto espaço de tempo. Hoje em dia, devido às novas estratégias terapêuticas não somente contra o HIV mas também contra os agentes específicos das infecções oportunistas (muitas vezes as responsáveis pela morte dos pacientes), o tempo de vida após o contágio se estendeu consideravelmente.

Hoje sabe-se que a infecção pelo HIV não é o mesmo que AIDS, sendo dividida didaticamente em três fases distintas: a fase aguda ou síndrome de soroconversão, a fase assintomática e a fase sintomática. Somente a última fase citada é considerada como AIDS propriamente dita pois é nesse momento que as infecções oportunistas começam a se apresentar e danificar o paciente.

Para se ter uma idéia, na ausência de qualquer intervenção terapêutica, a média do tempo entre a fase aguda e a fase sintomática é de cerca de uma década, apesar de haver uma variabilidade individual muito grande. Apenas um pequeno número de indivíduos desenvolve AIDS logo após o contágio. Cerca de 4% vão desenvolvê-la após três anos de infecção e 50% após dez anos.

De um outro lado, há 10% a 15% de indivíduos infectados por HIV que passados 20 anos, não terão desenvolvido a doença. A idade de contágio parece influir na velocidade de progressão da doença, sendo os mais velhos os mais prejudicados.

Até 1995, a infecção pelo HIV se mostrava como uma doença progressiva com poucos tratamentos capazes de prevenir o desenvolvimento da fase sintomática (AIDS) e subseqüentemente, o aparecimento de infecções oportunistas (IOs). Assim, os pacientes desenvolviam diversas IOs antes de falecer, sendo que cada nova doença trazia consigo um maior risco de morte.

Um estudo realizado na Europa (EuroSIDA Study) em 51 centros de referência dentro de 17 países, com 7.300 pacientes HIV positivos estudados de 1994 a 1999, procurou avaliar a ação da associação de drogas anti-retrovirais (contra o HIV) eficientes, na prevenção do surgimento de infecções oportunistas, o que pode aumentar ainda mais o tempo de vida dos pacientes. Um resumo deste estudo foi publicado na revista médica Lancet deste ano.

Quais pacientes foram estudados?

As duas formas atualmente utilizadas para a avaliação da situação de um paciente dentro de todo o espectro da infecção pelo HIV, são a mensuração da concentração sangüínea de células que são invadidas pelo vírus e a mensuração da concentração de partículas virais no sangue. As células infectadas são os linfócitos CD4.

Sabe-se que uma concentração de CD4 acima de 500 células/ml está relacionada com uma boa evolução, entre 200 e 500 células/ml tem-se um grau intermediário e abaixo de 200 há uma grande probabilidade de se desenvolver IOs e se caminhar para complicações graves e óbito. Em relação às partículas virais, quanto maior a sua concentração no sangue, maior o risco de uma piora clínica.

Foram escolhidos para esse estudo aqueles pacientes com uma contagem de CD4 menor que 500/ml, visto que não há benefício comprovado em se intervir com aquelas drogas em pacientes com CD4 maior que 500/ml. Esses pacientes foram divididos em dois grupos: um grupo em uso de três drogas anti-retrovirais associadas e outro grupo sem o uso de drogas. Foram então acompanhados com visitas periódicas até o aparecimento de uma IO.

Resultados

A média de CD4 na população estudada cresceu de 1995 a 1999. O aparecimento de casos novos de IOs diminuiu de 30,7% em 1994 para 2,5% em 1998. Percebeu-se também que houve uma diminuição de IOs naqueles pacientes em uso das drogas independente da contagem de CD4, o que reforça ainda mais a atuação da associação dos anti-retrovirais como o fator protetor isolado.

O número de IOs diminuiu significativamente quando os níveis de CD4 aumentaram em ambos grupos de pacientes (com e sem drogas). Houve um aumento do número de casos de um tipo de tumor localizado nas cadeias de linfonodos (estruturas produtoras de células de defesa e responsáveis pela destruição de partículas estranhas ao organismo) chamados de Linfomas não-Hodgkin nos pacientes em tratamento com anti-retrovirais.

Discussão

Esses resultados confirmam aqueles obtidos em outros estudos que demonstraram uma diminuição do aparecimento da AIDS em pacientes HIV positivos quando utilizando potentes associações de anti-retrovirais. Mostrou-se que o risco absoluto do desenvolvimento de infecções oportunistas em pacientes em uso de drogas específicas diminuiu consideravelmente em relação ao grupo sem drogas. Entretanto, o aumento dos Linfomas não-Hodgkin é algo para ser compreendido.

Um fator a ser pensado é a ativação de linfócitos B (responsáveis pelo tumor) pelo vírus HIV, que mesmo com sua concentração diminuída no sangue devido aos anti-retrovirais, mantém-se em grande quantidade e por mais tempo em tecidos linfóides (linfonodos) o que pode explicar o aumento da incidência dos linfomas.

Talvez, o uso mais precoce dos anti-retrovirais possa melhorar esse quadro e visto que essas drogas estão agora sendo utilizadas em estágios mais iniciais da infecção pelo HIV, pode ser que num futuro próximo esses tumores comecem a diminuir sua incidência. Não se tem demonstrado uma modificação nos tipos de doenças oportunistas presentes na AIDS devido ao tratamento com anti-retrovirais associados.

O acompanhamento a longo prazo de pacientes HIV positivos utilizando a combinação de drogas é essencial para a monitorização da incidência das infecções oportunistas novas que podem surgir e para a avaliação de modificações na história natural do vírus.

Sem dúvida, graças ao número cada vez maior de pesquisas relacionadas a AIDS e ao conhecimento prático adquirido nesses vinte anos de epidemia, conseguiu-se hoje, transformar uma infecção agudamente letal em uma doença crônica e controlável. Apesar de sabermos que a maior importância em relação a essa doença é a sua prevenção e por isso a necessidade de se investir mais verbas na abordagem informativa do público e no conhecimento do comportamento sexual humano torna-se cada vez mais imperativa, é no mínimo mais ameno, na atualidade, a notificação a um indivíduo de sua situação como mais um portador do vírus HIV, como mais uma vítima de uma das maiores agústias que a vida humana conteporânea pode proporcionar a uma pessoa.

Fonte: Lancet 2000;356:291-96

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