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Dislexia: Desafio de pais, professores e profissionais de saúde

Neste Artigo:

- O que é Dislexia
- Métodos de Diagnóstico
- Equívocos em Relação à Dislexia
- Visão Psicológica
- Visão Fonológica
- Tratamento

O que é Dislexia

O número de crianças que termina o período escolar obrigatório sem a fluência de leitura e escrita que se considera adequada, e, portanto, portadoras de dislexia, é de fato preocupante para especialistas, pais, educadores, psicólogos e médicos e constitui-se em um problema social de grande gravidade. Em função disso, mundialmente pesquisam-se processos capazes de resolver esta situação, nem sempre com bons resultados. É de supor que os resultados pouco satisfatórios, até então obtidos, resultem de uma abordagem incompleta do problema Dislexia.

De acordo com a ABD, Associação Brasileira de Dislexia, a definição vem do grego e do latim: Dis, de distúrbio, vem do latim, e Lexia, do grego, significa linguagem. Ou seja, Dislexia é uma disfunção neurológica que apresenta como conseqüência dificuldades na leitura e escrita. A Fonoaudióloga Suely de Miranda Gomes, também especialista em voz, define dislexia como a dificuldade específica que afeta a aprendizagem da decodificação do sistema verbal escrito, classificada entre as patologias de linguagem, mais especificamente de linguagem escrita.

Para a Drª Graciete Serrano, Licenciada em Psicologia Clínica pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, pós-graduada em Neuropsicologia e autora do livro "Dislexia – uma nova abordagem terapêutica", onde publicou os resultados de seu trabalho de investigação com crianças disléxicas, a doença corresponde, simplesmente, a uma perturbação na capacidade de leitura e escrita. Este termo, Dislexia, é aplicável, segundo a Dra. Graciete, "a uma situação na qual a criança é incapaz de ler com a mesma facilidade com que lêem as crianças do mesmo grupo etário, apesar de possuir uma inteligência normal, saúde e órgãos sensoriais intactos, liberdade emocional, motivação e incentivos normais, bem como instrução adequada".

"A observação e acompanhamento de crianças disléxicas mostrou-nos que estas apresentam perturbações que ultrapassam, em larga escala, a simples função da leitura", diz a Dra. Graciete. Segundo a especialista, associada à Dislexia encontra-se, a maior parte das vezes, uma Disgrafia. Do ponto de vista gráfico, o disléxico comumente confunde, omite ou inverte as letras, apresentando um texto defeituoso. "Muitas vezes a criança não consegue seguir as linhas", aponta a especialista. Os textos da criança disléxica carecem de pontuação ou, quando esta é feita, é colocada de forma anárquica. "A sintaxe é defeituosa e há uma má compreensão das funções dos vários elementos da frase (sujeito, predicado e complementos)", define.

A criança disléxica, por seus problemas de leitura e escrita, é freqüentemente alvo de piadas por parte dos colegas. Com o isolamento, começa a repetir anos e a perder cada vez mais o interesse pela escola, "a qual vê transformada num elemento extremamente agressivo, desencadeando processos de hostilidade e fuga", completa a psicóloga.

Conforme publicou a Dr.ª. Sally Shaywitz, na Scientific American, de novembro de 1996, há cem anos, em novembro de 1896, um médico de Sussex, Inglaterra, publicou a primeira descrição do distúrbio de aprendizagem que viria a ser conhecido como dislexia desenvolvimental. Em 1996, assim como em 1896, a capacidade para ler é tomada como um "sinal" de inteligência, a maioria das pessoas supõe que se alguém é inteligente, motivado e escolarizado, ele ou ela irá aprender a ler. Mas a experiência de milhões de disléxicos demonstrou que aquela suposição é falsa. Na dislexia a aparentemente invariável relação entre inteligência e capacidade para ler não se aplica.

Em particular, a dislexia reflete uma deficiência no processamento das unidades lingüísticas distintas, chamadas fonemas, que constituem todas as palavras faladas e escritas.

Métodos de Diagnóstico

Distinguimos dois grandes tipos de diagnóstico e de intervenção clínica: o psicológico e o médico.

Do ponto de vista psicológico, elegemos como teste central para detecção da disfunção perceptiva a reprodução, em cópia e em memória, da Figura Complexa de Rey (F.C. Rey).

Quando se tornou necessário considerar a hipótese de uma deterioração mental ou simplesmente confirmar os dados da F.C.Rey, utilizamos o Teste de Retenção Visual de Benton. Este teste permite avaliar a diminuição ou deterioração das funções cognitivas.

Trata-se de testes pontuáveis e ao mesmo tempo qualitativos que nos permitem avaliar com grande precisão o grau de disfunção dos indivíduos testados.

Temos hoje possibilidade de fazer um diagnóstico precoce de uma criança potencialmente disléxica, logo a partir do Jardim de Infância. Um dos sintomas mais alarmantes nestas crianças é o seu distúrbio psicomotor o qual permite ao técnico especializado fazer um prévio despistamento do problema disléxico.

Equívocos em Relação à Dislexia

Segundo a Dr.ª. Sally Shaywitz, Diretora do Centro Yale para o Estudo da Aprendizagem e da Atenção e professora de pediatria na Yale University School of Medicine, há uma série de mitos sobre a questão que devem ser esclarecidos:

- As escritas de trás para frente e as inversões de letras e palavras são comuns nos estágios iniciais do desenvolvimento da leitura entre todas as crianças. Crianças disléxicas têm problemas na nomeação de letras, mas não na cópia de letras.

- Mais de duas décadas de pesquisa mostraram que a dislexia reflete um déficit lingüístico, não havendo evidências de que o treinamento dos olhos possa diminuir o distúrbio.

- Mesmo que muitos disléxicos aprendam a ler, eles continuam a fazê-lo de forma lenta, e não automaticamente, ou seja, a dislexia não é superada.

- A inteligência não está relacionada ao processamento fonológico, como as medidas de disléxicos inteligentes e perfeitos (William Butler Yeats, Albert Einstein, George Patton, John Irving, Charles Schwab and Nicholas Negroponte, atestam).

Visão Psicológica

Segundo a psicanalista Silvana Rabello, professora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e do Instituto Sedes Sapientiae, através da história da criança, colhida junto aos pais, e do exame direto da criança, deve-se, antes de mais nada, diferenciar um quadro orgânico de um quadro emocional. A incidência deste último evidenciada por problemas de fala é bem alta. "Temos crianças sem intenções comunicativas, que dizem respeito aos quadros emocionais mais graves como autismo. Existem ainda outros quadros emocionais graves, como a psicose, que aparece através de um discurso incoerente, falas estranhas e às vezes, apenas gritos e ruídos. A fala é uma tarefa simbólica por excelência, logo, quadros emocionais importantes apresentam alterações graves de fala – problemas sérios no processo de subjetivação que a criança deve atravessar".

Ao ser indagada sobre o papel das famílias de crianças com problemas de fala e linguagem, a Dr.ª. Silvana relatou que eles devem ser inseridos no tratamento, pois trata-se de um quadro de deficiência comunicativa e a família é o maior estímulo e modelo comunicativo. "A família deve ser bem orientada, assim como acolhida no seu sofrimento frente um filho com problemas graves".

Visão Fonológica

Segundo a pesquisadora Dr.ª Sally Shaywitz, nas duas últimas décadas surgiu um novo modelo coerente de dislexia que se baseia no processamento fonológico. O modelo fonológico é coerente com os sintomas clínicos da dislexia e com o que os neurocientistas conhecem sobre a organização e o funcionamento do cérebro.  

O fonema, definido como o menor segmento significativo da língua, é o elemento fundamental do sistema lingüístico. Diferentes combinações de apenas quarenta e quatro fonemas produzem todas as palavras da língua inglesa. Antes que as palavras possam ser identificadas, compreendidas, armazenadas na memória e evocadas, primeiro devem ser segmentadas, ou analisadas, em suas unidades fonéticas pelo módulo fonológico.

Na linguagem falada este processo ocorre automaticamente, em nível pré-consciente. Como Noam Chomsky e, mais recentemente, Steven Pinker, do Massachusetts Institute of Technology, defenderam convincentemente, a linguagem é instintiva - tudo que é necessário é que os humanos sejam expostos a ela.

Ao produzir uma palavra, o aparelho de fala humano - laringe, palato, língua e lábios - automaticamente comprime e mistura os fonemas. Como resultado, as informações dos diferentes fonemas se fundem em uma única unidade de som.

A criança disléxica possui um déficit no sistema de linguagem no nível fonológico que prejudica sua capacidade para segmentar a palavra escrita em seus componentes fonológicos subjacentes. Esta explicação de dislexia é chamada modelo fonológico. Um déficit circunscrito ao processamento fonológico prejudica a decodificação, impedindo a identificação da palavra. O impacto é mais evidente na leitura, mas ele também pode afetar a fala de modos previsíveis. Diversos estudiosos norte americanos esclarecem que os déficits fonológicos são os sinais cognitivos mais significativos da criança disléxica.

Segundo a Dr.ª Sally, muitos disléxicos aprendem a ler e mesmo se destacam nos estudos, apesar de suas dificuldades. Esses, chamados disléxicos compensados, têm um desempenho tão bom quanto os não disléxicos em testes de precisão da palavra. Contudo, eles não são automáticos nem fluentes em sua capacidade de identificar palavras e muitos relatam que a leitura é cansativa.

Para a pesquisadora, o modelo fonológico cristaliza exatamente o que queremos dizer com dislexia: um déficit encapsulado quase sempre cercado de poderes significativos no raciocínio, solução de problemas, formação de conceitos, pensamento crítico e vocabulário. O modelo demonstra que a memorização mecânica e a recuperação rápida da palavra são particularmente difíceis para os disléxicos. Mesmo quando conhecem as informações, quase sempre a necessidade de recuperá-las rapidamente e apresentá-las oralmente resulta na recordação de um fonema relacionado ou na organização incorreta dos fonemas recuperados. "Sob tais circunstâncias, os disléxicos irão salpicar sua fala com hesitações. Por outro lado, quando não pressionados a fornecer respostas instantâneas, os disléxicos podem fazer uma excelente apresentação oral", completa a pesquisadora.

Da mesma forma, na leitura, enquanto leitores não prejudicados podem decodificar palavras automaticamente, indivíduos disléxicos precisam recorrer ao uso do contexto para ajudá-los a identificar palavras específicas. Essa estratégia os deixa ainda mais lentos.

A experiência do Yale Center sugere que muitos disléxicos compensados têm uma vantagem distinta sobre os não disléxicos em sua capacidade para raciocinar e conceituar e que o déficit fonológico mascara o que freqüentemente são excelentes capacidades de compreensão.

Segundo revela a Dr.ª Sally, a dislexia é o mais comum dos distúrbios de aprendizagem. O número de crianças identificadas como apresentando distúrbio de aprendizagem subiu de 780.000 em 1976 para 2,3 milhões em 1993. Estima-se que são gastos 15 bilhões de dólares anualmente no diagnóstico, no tratamento, e no estudo de tais distúrbios.

Tratamento

No tratamento do disléxico, há, ao nível da clínica médica, neste âmbito da correção das perturbações posturais e proprioceptivas, três processos que se complementam: reprogramação postural e psicomotricidade; modificação da informação visual através de lentes prismáticas de pequena potência; apoio psicopedagógico especializado.

A Dr.ª Sally Shaywitz, em seu artigo publicado na Scientific American de novembro de 1996, relatou que o tratamento é uma área que tem estado cheia de controvérsias e, freqüentemente, de decepções. Através dos anos os educadores e os pais apoiaram muitas técnicas que prometiam ajudar as crianças a superar suas dificuldades de aprendizagem, apesar da falta de pesquisas independentes para sustentar aquelas alegações.

Segundo a autora, um dos mais elogiados tratamentos para os distúrbios de aprendizagem foi desenvolvido por um grupo liderado por Paula Talllal, co-diretora do Centro de Neurociência Molecular e Comportamental da Rutgers University em Newark, New Jersey, e por Michael M. Merzenich do Centro Keck de Neurociência Integrada da Universidade da Califórnia, em San Francisco. Essas pesquisas não se concentraram em disléxicos em si, mas em crianças com dificuldades de compreensão da fala. Nem todas as crianças com a linguagem prejudicada são disléxicas, nota Tallal, e nem todos os disléxicos têm a linguagem prejudicada. Os estudos sugeriram que 8% de todas as crianças devem ter linguagem prejudicada, deste grupo, mais do que 85% também apresentam dislexia.

Há alguns anos, vários pesquisadores associados desenvolveram a terapia computadorizada para o treinamento de crianças com linguagem prejudicada, é um programa de processamento de fala que permite aos pesquisadores a amplitude e a duração dos sons gravados. Tallal e Merzenich relataram na revista Science que onze crianças
treinadas com esses métodos adquiriram o equivalente a dois anos de habilidades de linguagem em apenas um mês.

Copyright © 2002 Bibliomed, Inc.               11 de Novembro de 2002