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Abuso físico e psicológico contra crianças

© Equipe Editorial Bibliomed

Neste artigo:

- Abuso psicológico
- A violência sofrida na infância se perpetua
- Tratamento psicológico pode ser eficaz
- A classe econômica e social não importa 
- Denúncias e realidade pública


“A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais e públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.

Abuso físico e psicológico

Art. 7o. do Capítulo I – Do Direito à Vida e à Saúde, do Livro I, Parte Geral, do Estatuto da Criança e do Adolescente

Das formas de abuso contra a criança, o abuso psicológico é, provavelmente, o mais dissimulado. É também o mais frequente, pois acompanha todos os outros. Ele raramente se apresenta sozinho, vem sempre associado às agressões físicas, exclusão social, abuso sexual, exploração do trabalho, entre outras inúmeras formas de privação da infância.

Diariamente, milhares de crianças são submetidas a abusos físicos, psicológicos e sexuais no país, muitos desses casos ocorrendo dentro de suas casas. Apesar disso, apenas 2% dos casos ocorridos dentro das famílias, são denunciados à polícia.

Em entrevista com a psicóloga e psicodramatista Maria Amélia de Sousa e Silva, ficou claro que na violência física está implícita a violência psicológica – e é justamente o fato de estar sendo agredido fisicamente por um familiar que causa mais danos à formação da personalidade infantil.

“Apanhar na rua, de um estranho, por mais que isso cause fraturas e outros danos físicos, não tem a influência sobre a personalidade que uma agressão de um pai ou mãe impacientes tem, pois estes estão também ensinando aos filhos uma forma violenta de relacionar-se afetivamente”, afirma. Para a psicóloga, a violência psicológica é mais sutil, está na base das outras formas de violência. “É claro que existe a violência puramente psicológica, mas ela é bem mais difícil de diagnosticar e raras vezes é denunciada”, ressalta a profissional.

Segundo Maria Amélia, nas crianças vítimas de violência, ou há excesso de timidez, ou agressividade em demasia: “Nunca há um equilíbrio por parte da criança vítima de violência. Podemos apontar um aumento no número de atitudes desagradáveis por parte das crianças, somado aos fatores de dependência dos adultos: ou extrema carência, ou extrema dependência, somada à desvalorização, baixa na autoestima, etc”.

Ela cita como um bom exemplo, literário, de violência psicológica, o livro de Kafka, “Carta ao pai”, em que um dos filhos era extremamente rebaixado em relação aos demais. “Trata-se de um clássico da literatura que relata uma situação bastante comum, ainda nos dias de hoje”, coloca.

É preciso ter muito cuidado com o que se diz para as crianças, pois, de acordo com a psicodramatista, elas, em geral, acreditam no que lhes é dito. “As palavras das pessoas que lhe são importantes, como a de seus familiares, soam sempre como verdadeiras, são assumidas e interiorizadas. A criança acaba aprendendo que aquele é o único padrão possível, a única forma que existe de relacionamento”.

A violência sofrida na infância se perpetua

O mais grave, de acordo com Maria Amélia, é que se cria um ciclo contínuo de violência, que se transmite de geração para geração. “Essa criança vai repetir este padrão com os irmãos menores, com os colegas da escola, mostrando-se muitas vezes inapta ao convívio social, ou simplesmente reproduzindo este padrão em seus próximos relacionamentos afetivos, com sua mulher ou marido, com seus filhos. Uma pessoa agredida na infância, via de regra, se torna um adulto agressor”, aponta a psicóloga.

É preciso ressaltar, todavia, que nem toda a criança agredida se tornará um agressor, mas podemos dizer, segundo a psicóloga, que todo o agressor foi vitima quando criança. “Basta investigar com cuidado que se descobre”, adverte. É óbvio para a psicóloga, portanto, que também o agressor precisa de tratamento. 

Tratamento psicológico pode ser eficaz

Maria Amélia acredita na eficiência do tratamento psicológico, mesmo no caso do agressor, que também precisa ser tratado para que a estrutura familiar seja recuperada. “Vimos, por exemplo, o caso de um homem filho de escravos. Sua mulher morreu e ele ficou com a guarda de dois filhos, sendo, portanto, sua única família. A linguagem que ele conhecia – seja para demonstrar afeto, seja para corrigir, educar - era a da violência. Na medida em que o tratamento progrediu, fomos acrescentando ao seu arsenal de reações possíveis outras opções, que não as violentas, para que se relacionasse com suas crianças. Isso significou melhoras substanciais”, exemplifica ela.

Certamente, contrapõe Maria Amélia, que isso depende do estágio e da complexidade do caso. “A agressão a crianças como forma de educá-las – o que é muitas vezes alegado como justificativa para um espancamento por parte dos familiares – envolve uma visão deturpada da infância. Esta visão precisa ser modificada, trabalhada”, defende.

A classe econômica e social não importa 

De acordo com Maria Amélia, a violência contra crianças e adolescentes não tem prevalência maior em função de classe socioeconômica. “A violência doméstica, seja física ou mesmo verbal, é um fenômeno absolutamente democrático. Porém, a visibilidade em classes baixas é maior, porque exige das estruturas públicas, dos pronto-socorros, dos hospitais do INSS, das escolas estaduais e municipais.

São estas instituições que contabilizam dados e criam estatísticas. As classes mais altas, ao contrário, procuram médicos particulares, psicólogos particulares, que mantém o sigilo e não contribuem para qualquer levantamento estatístico, uma vez que individualmente, seus dados não são expressivos. Nas classes altas é tudo mais velado, mais escondido. Há menos denúncias, mas ocorre do mesmo jeito”, explica.

Denúncias e realidade pública

Na verdade, a violência doméstica é muitas vezes tratada como assunto privado e acaba sendo tolerada pela sociedade e pelo poder público. Daí a importância dos Conselhos Tutelares, criados como instrumentos para que o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, seja aplicado. Estes órgãos exercem um papel fundamental ao oferecer uma porta de entrada para denúncias, mesmo que anônimas, mas que possibilitam o diagnóstico dos casos de violência contra crianças.

Para médicos, professores e outros profissionais que trabalham com crianças, a denúncia é obrigatória, sob pena de serem responsabilizados por omissão de socorro.
Os Conselhos Tutelares têm papel fundamental na luta pela proteção das crianças. Eles atuam a partir de denúncias, a maioria feira por familiares e vizinhos, seguidas de denúncias das escolas e de médicos. Após uma denúncia, é feita a convocação dos responsáveis pela criança; uma investigação das suas rotinas; uma conversa com a própria criança; uma consulta à escola que a criança frequenta; uma visita domiciliar ao acaso; e, então, coloca-se os pais a par dos direitos de que a criança deve usufruir, segundo o ECA, e encaminha-se a família toda para atendimento psicológico. Depois disso, é feito um acompanhamento, com marcação de retorno ao próprio Conselho Tutelar. Caso a violência persista, leva-se o caso à justiça.

Copyright © 2015 Bibliomed, Inc.      13 de julho de 2016