Artigos de saúde
Quando a mãe se depara com um recém-nascido que apresenta alterações em sua genitália externa,
há uma enorme ansiedade devido às fantasias anteriormente depositadas nesse novo ser de
acordo com o seu sexo e às fantasias surgidas perante uma indefinição do mesmo diante de uma
alteração corporal. Foi realizado um resumo através de dados coletados entre
equipes de diferentes áreas médicas, quais sejam, genética, endocrinologia e urologia.
Nesse estudo, houve a participação de diversos autores sendo seus supervisores os
doutores Celia I. Kaye (Comissão de Genética), Robert P. Shwartz (Comissão de
Endocrinologia) e Ronald Robinowitz (Comissão de Urologia) todos dos EUA. Um resumo deste
trabalho foi publicado na revista médica Pediatrics
deste ano. O texto que se segue tem a finalidade de expor ao público leigo, informações
que venham a esclarecer algumas alterações mais freqüentes e, se possível,
tranqüilizar aquelas pessoas envolvidas ou que já se envolveram em tais situações. A
boa informação parece ser a melhor maneira de se apaziguar a angústia do desconhecido.
Ao se deparar com um recém-nascido (RN) portador de uma alteração genital, é de
extrema importância que seja feito um diagnóstico o mais rapidamente possível para que
a melhor conduta seja tomada em tempo hábil. É importante lembrar que toda decisão deve
ser tomada levando-se em conta aspectos biológicos, psicológicos, sociais e econômicos
e que não deve ser apressada. É importante que diante da dúvida sobre o sexo, os pais
tentem não denominar a criança de acordo com o sexo até ser o mesmo estabelecido, fato
esse que deve ser encorajado e apoiado pelo médico.
Compreendendo a diferenciação sexual
Os órgãos sexuais tanto masculinos quanto femininos provém de uma mesma estrutura
fetal primordial. Pode ocorrer desde uma diminuição do desenvolvimento dos mesmos até
um aumento do seu desenvolvimento. Antes das seis semanas de gestação, embriões
masculinos e femininos detêm estruturas gonadais indiferenciadas com o potencial para
desenvolvimento de qualquer sexo. A aparência genital do bebê vai depender de fatores
genéticos e hormonais para que haja uma diferenciação para o sexo masculino visto que
sem essas influências, todos os bebês tendem a manter o sexo feminino. As condições de
intersexo ocorrem quando há uma diminuição na
masculinização daquelas crianças geneticamente masculinas ou uma virilização dos
bebês geneticamente femininos.
A diferenciação masculina se dá por ativação do gene SRY localizado no braço curto do cromossomo Y
que leva a uma diferenciação das gônodas primordiais em testículos que vão produzir
os hormônios necessários à diferenciação sexual masculina. A maioria dessas
alterações na diferenciação masculina se dá por volta da décima segunda semana,
ocorrendo depois o desenvolvimento do pênis e a descida dos testículos. Qualquer erro
nesses passos pode levar a alterações genitais.
Quando os recém-nascidos devem ser investigados?
Crianças com genitália obviamente ambígua devem ser logo investigadas para que seu
sexo seja definido. Entretanto, em muitas situações, as aparências enganam. Crianças
com ausência de testículos bilateralmente (criptorquidia bilateral) e pênis
aparentemente normal podem ser considerados do sexo masculino e, no entanto, serem
realmente do sexo feminino com uma doença que viriliza a genitália externa (hiperplasia
congênita da supra-renal). Da mesma forma, uma criança aparentemente do sexo feminino
com somente um aumento leve do clitóris pode ser do sexo masculino e possuir uma
resistência (incapacidade de atuação) à ação da testosterona (hormônio
masculinizante). Por isso a necessidade de se haver um critério clínico bem definido
apesar da dificuldade em fazê-lo devido ao fato de pequenas alterações nos genitais
como pequenas hipospádias (fechamento do canal de micção dos meninos incompleto)
poderem estar relacionadas com alterações sexuais mais sérias. Entretanto, sabe-se que
a possibilidade disso ocorrer aumenta significativamente de acordo com a severidade das
alterações visíveis ou se há a ausência de um testículo no saco escrotal. Os achados
genitais que indicam uma investigação para intersexualidade estão abaixo:
Aparência masculina
- Testículos não palpáveis em um RN a termo
- Hipospádias associadas a fenda separando o saco escrotal
- Os dois quadros acima juntos
Indeterminado
- Genitália Ambígua
Aparência Feminina
- Hipertrofia do Clitóris de qualquer grau
- Vulva (parte externa da vagina) diminuída de tamanho com abertura simples
- Hérnia inguinal com gônada em seu interior
A importância da história e do exame físico
Problemas endócrinos na gravidez, uma história familiar positiva de alterações
genitais, mortes de RNs inexplicadas ou anormalidades genitais, desenvolvimento puberal
anormal ou infertilidade na família podem estar relacionados com o quadro.
O exame físico começa com uma procura de sinais de síndrome de malformação onde há
alterações em vários órgãos além dos genitais. A genitália externa é então
inspecionada e o tamanho do pênis mensurado. Em RNs a termo o pênis deve ter no mínimo
2cm. Deve-se observar a abertura uretral, às vezes tendo que esperar até a micção do
bebê (verificar se há hipospádia). A seguir é feito o exame do escroto e a palpação
dos testículos. Não é bom que se faça alguma consideração sobre o sexo do bebê com
apenas tais dados, pois a aparência da genitália é muito variável mesmo entre
pacientes com o mesmo distúrbio.
Qual é a causa de genitália ambígua?
As causas podem ser diversas correspondendo a órgãos específicos. Pode-se ter um
problema da glândula supra-renal (HCSR) que devido a uma deficiência de uma enzima
específica leva ao aumento de um hormônio masculinizante. Há distúrbios relacionados
com alterações placentárias ou produção de hormônios masculinos pela mãe.
(Alterações testiculares também podem levar à dificuldade de produção de
testosterona). Alterações na estrutura das gônodas podem deixá-las não funcionantes o
que ocorre em algumas síndromes raras. Por fim está o hermafroditismo verdadeiro,
condição bem rara onde há a presença de tecido de ambas as gônadas.
Como se decide o sexo do bebê?
Devem ser avaliadas diversas condições para se assumir tal decisão.
Fertilidade - todas as crianças virilizadas
devido à HCSR ou a hormônios maternos são potencialmente férteis e devem dessa forma
ser criados como meninas. Na maioria das outras situações de intersexo a fertilidade
está ou diminuída ou reduzida.
Capacidade de função sexual normal – o
tamanho do pênis e a capacidade de desenvolvimento na puberdade é de extrema
importância ao se considerar o sexo masculino de uma criança com tais problemas. Devido
à dificuldade de se avaliar tal condição, deve-se tentar uma administração de
testosterona. Somente se houver uma resposta ótima à mesma, devem ser esses meninos
criados como tal, caso contrário, a probabilidade de uma função peniana saudável é
remota e devem ser essas crianças criadas como meninas, após os devidos procedimentos
cirúrgicos. As hipospádias conseguem ser corrigidas nas mãos de cirurgiões
experientes.
Função endócrina – a habilidade das
gônadas em produzir os devidos hormônios para o bom desenvolvimento sexual da criança
deve ser levada em conta. Os ovários de meninas virilizadas geralmente funcionam bem. No
caso de hermafroditas verdadeiros, os ovários podem produzir níveis ótimos de
estrogênio. Nesses mesmos casos, os testículos mostram um declínio na produção de
testosterona no decorrer do desenvolvimento, necessitando essas crianças de reposição
desse hormônio.
Transformação maligna – gônadas
masculinas podem se malignizar quando retidas por tempo suficiente dentro da cavidade
abdominal. Aqueles testículos que mostram alterações sugestivas à biópsia devem ser
retirados. No caso de biópsia sem alterações, essas crianças devem ser acompanhadas a
longo prazo.
Sexo psicológico – há algumas
evidências que meninas com HCSR devido ao fato de terem sido submetidas a doses elevadas
de testosterona por algum tempo, podem ter tido algumas alterações cerebrais levando-as
a comportamentos masculinos. Entretanto não há nenhuma evidência de influências na
identidade sexual dessas crianças. É importante que sejam acompanhadas, com apoio
psicossocial, todas aquelas crianças que tiverem seu sexo corporal modificado devido às
necessidades acima citadas.
Quando operar?
Crianças criadas como meninas podem necessitar de uma redução do clitóris que
geralmente tem resultados ótimos tanto visuais quanto funcionais. Em meninas com HCSR a
cirurgia corretiva deve ser feita assim que for iniciada a terapia hormonal. A
reconstrução da vagina pode ser necessária após um ano ou mais. Cirurgias adicionais
são geralmente necessárias. Os testículos de crianças com resistência à testosterona
ou alterações testiculares devem ser retirados logo ao nascimento, principalmente
naquelas com um pênis muito pequeno o que exige sua mudança de sexo. A descida do
testículo é geralmente feita juntamente com a biópsia. A correção das hipospádias é
geralmente realizada entre 6 e 18 meses.
Como é feito o seguimento dessas crianças?
Deve-se ter um acompanhamento ambulatorial tanto médico quanto psicossocial. Mesmo
que aparentemente perceba-se um comportamento normal tanto do ponto de vista biológico
quanto psicossocial, nessas crianças e suas famílias. A criação de grupos de pacientes
com esses distúrbios pode ser uma forma de se tentar resolver possíveis dificuldades
psicossociais desses pacientes.
Conclusão
Apesar da raridade dessas condições na prática geral, deve se ter um cuidado muito
grande no seu diagnóstico e tratamentos adequados, devido às várias questões
orgânicas, psicológicas, sociais, econômicas inerentes ao problema. O estresse
psicológico que as famílias passam durante essas ocasiões deve ser alvo de abordagem
médica multidisciplinar, o que deve ser exigido pelos próprios pacientes.
Fonte: Pediatrics 2000;106(1):138-142
Copyright © 2000 eHealth Latin America
Veja também