Artigos de saúde
Muitos estudos anteriores relacionando sintomas depressivos com a mortalidade
em idosos chegaram a resultados contraditórios. Uma explicação para tal fato pode ser o
tipo de avaliação utilizada para graduar o grau de depressão e o tempo de
acompanhamento dos pacientes.
Para avaliar este dilema, um grupo liderado pelo Dr. Richard
Schulz, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de
Pittsburg - EUA, realizou o estudo mais extenso no que diz respeito ao número de
variáveis físicas e sócio-demográficas controladas a respeito.
O estudo
Para poder utilizar um grande número de pessoas e avaliar várias variáveis
(componentes influenciadores do quadro clínico) esse estudo foi feito com a população
de um outro grande estudo. Esse último é o chamado Cardiovascular Health Study - CHS
(Estudo de Saúde Cardiovascular).
Esse é um estudo realizado numa população idosa
enorme que é acompanhada por alguns anos. Ele relaciona vários fatores considerados de
risco (biológicos, sócio-demográfico) com o surgimento ou não de doenças
cardiovasculares nessa população.
O estudo da relação da depressão com a morte, dessa
forma, pôde utilizar destes diversos fatores de risco e é justamente nisso que se resume
seu grande valor. O CHS contou com 5.205 homens e mulheres acima de 65 anos. Eles foram
acompanhados por seis anos, no que se refere ao estudo da depressão.
Os níveis de depressão foram avaliados através de questionários padronizados. Além disso, as
seguintes características foram avaliadas: (1) sócio-demográficas - idade, sexo, raça,
nível educacional, estado civil e eventos estressantes sociais; (2) doenças pregressas -
diabetes, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca e derrame cerebral; (3) doenças
subclínicas (pouco ou nenhum sintoma) - claudicação (dor nas coxas e quadril ao
caminhar), alterações no eletrocardiograma e estreitamento das artérias que levam
sangue ao cérebro; (4) fatores de risco - tabagismo, níveis de glicose no sangue e
índice de massa corporal.
Resultados
Aproximadamente 20% dos participantes obtiveram um resultado compatível com
depressão no questionário preenchido. Após seis anos de acompanhamento houve uma
mortalidade de 18,9% (248 pessoas). Essa taxa foi maior dentro das pessoas com
diagnóstico de depressão (23,9%) do que naquelas sem esse diagnóstico (17,7%).
Dentro dos fatores sócio-demográficos, observou-se que aquelas pessoas mais velhas, homens,
menos educadas, divorciadas, viúvas ou separadas morreram mais. Após o controle destes
fatores, observou-se um risco de morte maior (43%) naquelas pessoas que obtiveram uma nota
mais alta no questionário de depressão.
Com relação às doenças pregressas, as
pessoas que apresentavam angina cardíaca, insuficiência cardíaca, claudicação
intermitente (dificuldade de andar devido ao estreitamento das artérias que levam sangue
para os membros inferiores por causa de aterosclerose), derrame cerebral, diabetes e
hipertensão arterial apresentaram um maior risco de mortalidade.
Após o controle dos
fatores sócio-demográficos e doenças pregressas, manteve-se um risco aumentado de morte
(25%) naquelas pessoas com uma alta pontuação na escala depressiva.
No que diz respeito
aos fatores de risco, aquelas pessoas com aumento da pressão arterial, níveis altos de
glicose no sangue, com história pregressa ou atual de tabagismo, que não utilizavam
bebidas alcoólicas e com índice de massa corporal baixo tiveram maior risco de morte.
Após a correção destes fatores, manteve-se um risco aumentado de 35% de morte naquelas
pessoas com uma alta pontuação na escala de depressão. Mesmo após a correção de
todos os grupos de variáveis, permaneceu um risco 24% maior de morte naquelas pessoas
consideradas com níveis altos de sintomas depressivos.
Outro fato interessante
descoberto através das informações coletadas é que na população idosa, não é
necessário que exista altos graus de depressão para haver um maior risco de morte. Mesmo
formas leves de depressão podem elevar tal risco.
O que pode mediar a relação depressão e risco de mortalidade?
Alguns itens relacionados a essa questão foram avaliados e percebeu-se que um
efeito da depressão relacionado a uma diminuição da motivação: "eu não
conseguia continuar vivendo" ou "qualquer coisa que fazia necessitava de um
intenso esforço".
Um outro estudo deste tema tinha chegado à conclusão de que
pessoas com sentimentos de falta de vontade de viver tinham um risco independente de morte
maior que pessoas sem esses sentimentos. Uma ampla gama de artigos na literatura médica
corrobora o fato de que a exaustão vital e a diminuição de vitalidade emocional estão
intimamente ligadas a diminuição do tempo de vida.
Existem explicações tanto
psicológicas quanto comportamentais para tal fato. Os indivíduos que desistem da vida
estão muito mais aptos a se desvincular de um estilo de vida preventivo. Ao mesmo tempo,
esses sentimentos são capazes de desregular o sistema neuro-endócrino-imunológico o que
gera um desequilíbrio imune predispondo a diversas formas de disfunções e doenças como
infecções e câncer.
Apesar do avanço significativo que esse estudo proporcionou, ele possui várias
limitações. Primeiramente, não foi feito um diagnóstico clínico de depressão e sim,
de sintomas depressivos. Talvez, a relação entre depressão clínica e mortalidade seja
maior que a relação de sintomas depressivos e mortalidade demonstrada nesse estudo.
Tem
se conseguido evidências clínicas substanciais relacionando depressão e mortalidade por
doenças cardiovasculares. Análises futuras são necessárias para comprovar essa
associação assim como com outras doenças e disfunções para uma melhor compreensão do
efeito da depressão em todo organismo.
Por fim, a insuficiente quantidade de
informações inerentes aos aspectos psicológicos e sociais nesse estudo inviabilizam uma
maior compreensão desses fatores no desencadeamento do processo depressivo. Isso pode ser
considerado como a maior limitação desse estudo devido ao fato de serem esses fatores de
extrema importância não só na gênese mas na perpetuação dos pensamentos depressivos.
O não entendimento desse processo pode levar a atitudes terapêuticas focalizadas nos
sintomas unicamente, o que pode não extirpar a raiz do problema. É importante também
que não se viole os direitos e vontades humanas, pois talvez a decisão final de uma
pessoa possa ser o descanso que só a morte poderá proporcionar num momento de sofrimento
intenso devido a um quadro mórbido incurável e sem perspectivas de controle médico.
Fonte: Arch Intern Med 2000;160:1761-1768
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