Artigos de saúde

Quando a Medicina Moderna Convive com os Conhecimentos do Passado

As parteiras empíricas ocupam um lugar estratégico na assistência da mãe e do recém-nascido em comuinidades aborígenes da América Latina, que por razões geográficas, econômicas e/ou culturais não possuem acesso à atenção sanitária institucional.

Algumas experências demonstraram que as parteiras tradicionais podem ser um ponto de articulação entre a medicina acadêmica e a tradicional, para diminuir os altos índices de mortalidade materna em países em vias de desenvolvimento.

As "comadronas" ou parteiras tradicionais fazem parte dos chamados sistemas informais de saúde. Elas ocupam um lugar muito respeitado e valorizado nas comunidades indígenas, são as encarregadas de acompanhar o desenvolvimento da gravidez, do parto, dos cuidados com o recém-nascido e também do aconselhamento sobre como evitar a gravidez.

Para realizar esta nobre tarefa contam com um variado repertório de crenças, conhecimentos e práticas gineco-obstétricas tradicionais, que implicam em uma visão cósmica diferente ao do mundo ocidental e sua medicina.

Entretanto, os altos índices de mortalidade materna e infantil são um indicador claro das deficiências deste sistema, acontece que as parteiras não possuem os conhecimentos e nem o apoio institucional para resolver as complicações derivadas da gravidez e do parto, que constituem a causa mais importante da mortalidade entre as mulheres em idade de reprodução, nos países em desenvolvimento.

Maternidade sem riscos

Em torno de 1.600 mulheres morrem todos os dias durante a gravidez ou o parto, uma cifra que representa uma morte por minuto, revelam os números do Programa Pró Maternidade Sem Riscos, que a UNICEF emplementa em 161 países.

As causas básicas da mortalidade e das lesões derivadas da maternidade são as hemorragias, as infecções, a hipertensão provocada pela gravidez, o parto obstruído, o aborto em condições antihigiênicas e outros transtornos já existentes como a anemia e o impaludismo.

As crianças também morrem devido aos mesmos fatores que causam a morte ou a incapacidade de suas mães, e aqueles que sobrevivem correm um grande risco de sofrer desnutrição e de morrer precocemente.

Por estes motivos, o Programa Pró Maternidade Sem Riscos promove o desenvolvimento de mais serviços básicos de saúde, de planejamento familiar e uma adequada nutrição para melhorar o atendimento pré-natal das mulheres em zonas geográficas consideradas de risco. Entre as estratégias para diminuir a mortalidade materno-infantil figuram:

- A assistência aos centros de saúde ou a outros tipos de instalações de entidades menores, que possam proporcionar uma série de serviços cruciais. Qualquer parteira tradicional profissional ou médico podem prestar os primeiros socorros à futura mãe, antes de chegar a uma instalação clínica adequada.

- Estimular as parteiras tradicionais – a forma de ajuda mais freqüente nos partos realizados em casa -, a fazer cursos de capacitação, trabalhar sob supervisão e ter a possibilidade de comunicar-se com profissionais da área da saúde.

- Atendimento obstétrico fundamental em casos de complicações e emergências.

- Atendimento pós-natal e básico de recém-nascido.

A articulação intercultural

Para a Dra. Maria Luisa Ageitos, responsável pelos projetos de saúde para UNICEF Argentina, "os programas de treinamento de parteiras tradicionais são úteis em povoados aborígines que encontram-se em zonas geográficas de difícil acesso e que não contam com serviços sanitários institucionais para recorrer em caso de necessidade, como acontece em algumas regiões da Bolívia, Guatemala ou Brasil.

Mas a tendência é evitar os partos domiciliares e conseguir que as mães indígenas sejam atendidas por profissionais obstetras, em instituições sanitárias".

Entretanto, a brecha cultural dificulta a aproximação das mulheres ao atendimento médico moderno, que não leva em consideração muitos dos seus costumes e crenças tradicionais. Neste sentido, as parteiras tradicionais, por sua proximidade física e cultural com suas comunidades de origem, podem chegar inclusive onde o agente de saúde não pode.

O papel de articuladoras sociais das parteiras tradicionais, capazes de mediar a relação entre sua comunidade e os médicos ocidentais, foi demonstrado na experiência realizada no noroeste do chaco argentino. O Programa de Treinamento de parteiras tradicionais, a cargo do antropólogo Marcelino Fontán, da Unicef, se propos a diminuir o alto índice de mortalidade materno-infantil por causas previsíveis na região.

"Foi necessário trabalhar muito, primeiro para capacitar e amenizar a relação dos médicos com os outros, para que compreendessem que se tratava de uma cultura que funciona diferente, e que também possui uma grande experiência em técnicas de parto, muitas vezes, superiores a das ocidentais".

A equipe profissional multidiciplinar começou em 1996 com um amplo levantamento de conhecimentos, crenças e práticas tradicionais dos grupos tobas e wichis da região, antes de iniciar o gradual treinamento de cem parteiras empíricas da região.

Trabalhou-se com elas, o uso de hervas medicinais, recomendações alimentares, cuidados com a gravidez e com o recém-nascido.

Como resultado desta experiência , os serviços de saúde aceitaram a presença da parteira aborígine durante o parto, o parto vertical e a devolução da placenta à família.

Por outro lado, obteve-se no transcurso de dois anos um aumento na assistência ao controle pré-natal e ao parto institucional, um incremento dos controles hospitalares de crianças sadias e uma diminuição da mortalidade materna de 30% para 9%.

Hoje em dia passou a ser uma cena habitual, ver o pessoal da saúde reunindo-se com grupos da população e parteiras tradicionais, em centros de saúde e postos rurais.

Outras experiências no mundo

O governo da Indonésia, também com a ajuda da UNICEF e de outros organismos, criou um programa de capacitação para 40.000 parteiras tradicionais que atendem os partos nos povoados. Reforçou-se também, a capacidade hospitalar do distrito com materiais, provisões e medicamentos, permitindo que estes ofereçam um atendimento obstétrico de emergência o mais completo possível.

Ghana e Kenya estão aplicando planos nacionais para modernizar os serviços de saúde e capacitar parteiras tradicionais e médicos, com o objetivo de que tenham os conhecimentos obstétricos necessários para salvar vidas. O Kenya, também estabeleceu "sistemas de vigilância da maternidade" - como ocorreu no Egito e em outras nações africanas - para investigar, caso a caso, as causas de todas as mortes derivadas da maternidade.

Nas regiões andinas do Peru, o governo ajudado pela UNICEF, está aprimorando a capacitação e supervisão dos trabalhadores da área da saúde relacionados com o atendimento da maternidade e da saúde infantil.

Desde que iniciou o programa, o número de mulheres grávidas enviadas a um serviço de nível superior duplicou, devido a que os trabalhadores da saúde estão mais preparados para detectar os sintomas de qualquer complicação.

O programa de Clínicas Móveis supõe uma troca de estratégia no modelo de assistência sanitária da cidade de Maracaibo, na Venezuela. Dentro da área de planejamento familiar, e particularmente dirigidos para os adolescentes, foram propostos programas educativos para prevenção da gravidez precoce.

Devido ao fato de que a população predominante nas comunidades estudadas ser indígena, há uma alta percentagem de partos domiciliares assistidos por parteiras tradicionais que não têm a preparação mínima necessária, causando um número muito elevado de doenças e de mortes nos recém-nascidos.

Uma vez que nestes casos a maioria das mães negam-se a ir aos centros de saúde públicos (devido a questões econômicas ou culturais), ofereceu-se uma preparação a estas parteiras tradicionais e se as equipou com o material mínimo necessário para assistir os partos sob condições higiênicas mais adequadas.

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