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Uma Avaliação do Abuso Físico em Crianças

Os chamados abusos contra a criança englobam diversas situações, como: a violência física, que culmina em lesões físicas definidas; o abandono físico e emocional; o maltrato emocional, quando a criança é constantemente aterrorizada ou menosprezada, sendo acompanhante quase constante de maus-tratos físicos; e a exploração sexual, na qual estão incluídos abusos por violação, incesto ou outros de natureza sexual. Nos abusos contra as crianças há um padrão de relacionamento intrafamiliar, no qual muitos protagonistas estão envolvidos, não havendo figura neutra.

Os médicos que cuidam de crianças devem estar conscientes da probabilidade de encontrar o abuso da criança e de saber como reconhecer suas apresentações comuns. O ponto marcante do abuso físico é uma história que seja inconsistente com os ferimentos apresentados pelo paciente.

O achado de sinais clínicos e físicos, incluindo hematomas e fraturas em áreas pouco prováveis de serem acometidas acidentalmente; contusões com evidência de terem sido causadas por objetos; queimaduras ou ferimentos circunferenciais no corpo da criança; deve ser considerado suspeito para maus-tratos à criança.

De acordo com a legislação, os médicos que atendem uma criança, da qual suspeitam maus-tratos, devem emitir um relatório ao serviço de proteção ao menor de idade, para que haja proteção e segurança da mesma.

O abuso físico de crianças, em nossa sociedade, é um problema sério que somente está sendo reconhecido pela comunidade médica recentemente. A publicação pioneira na literatura médica foi no ano de 1946 e, em 1962, o termo “síndrome do golpe em criança” foi idealizado.

O número de casos registrados de maus-tratos da criança está aumentando, à medida que a classe médica adquire experiência no reconhecimento dos sinais e dos sintomas do abuso físico. Cerca de um milhão de crianças foram vítimas de maus tratos no ano de 1996, e 1.185 crianças vieram a óbito devido a esses maus tratos.

A avaliação de crianças que podem ter sofrido abuso físico consiste em um desafio especial aos médicos. Estes profissionais, além de estabelecer o diagnóstico e o tratamento, devem tentar propiciar um cuidado especial às crianças que são vítimas do abuso físico, através da emissão de um relatório minucioso sobre os sinais e sintomas da criança, ao órgão estadual responsável pela proteção da criança.

Um trabalho publicado em maio do ano 2000, pela American Academy of Family Physicians, realizado pelo Dr.David Pressel (professor assistente de Pediatria e médico pediatra da Temple University School of Medicine e Temple University Children's Medical Center), da Filadélfia, Estados Unidos, procurou rever o papel do médico, quando em uma situação no qual a criança apresenta suspeita de abuso físico.

O estudo

Para tentar esclarecer a função do profissional que assiste a criança, o Dr. Pressel realizou uma revisão dos fatores relevantes no diagnóstico e na conduta a ser tomada pelo médico, quando em situação de suspeita de maus tratos à criança.

As características típicas da história (anamnese feita pelo médico), do exame físico e dos exames complementares, laboratoriais e radiológicos, corroboram no diagnóstico do abuso físico das crianças. A informação mais importante para o diagnóstico do abuso físico é obtida com a história colhida pelo médico. Além disso, os médicos pediatras devem ser atentos na distinção de diversas circunstâncias, nas quais, a apresentação clínica pode simular um abuso físico, e ser realmente, um distúrbio qualquer da criança.

Alguns fatores de risco do abuso físico das crianças, compreendem: crianças com problemas médicos complexos; crianças com desenvolvimento atrasado; crianças ditas “difíceis” de conviver e crianças hiperativas. Determinados “sinais vermelhos” na história colhida pelo médico devem ser relevados no momento de estabelecer o diagnóstico do mau trato da criança.

Dentre eles, a discordância do paciente ou acompanhante (pai, mãe ou quem cuida da criança) quanto à causa do ferimento; demora na procura de tratamento; inconsistência entre o ferimento e a idade de desenvolvimento da criança e criança que apresenta história de ferimentos suspeitos reincidentes. Uma história confusa e inconsistente sobre o ferimento da criança é um forte sinal de abuso físico.

Há diversas circunstâncias que podem simular o abuso da criança. Dentre elas, determinadas desordens podem ser distintas de um trauma não-acidental, através de sinais físicos de uma síndrome, ou história natural da lesão de pele, que difere daquela esperada para um ferimento causado por maus tratos.

Crianças com uma história de hematomas facilmente causados, devem ser investigadas quanto a distúrbios de coagulação do sangue. Em caso de dúvida, o médico deverá encaminhar o paciente ao especialista, para confirmar o diagnóstico. É importante não se esquecer de que, mesmo tendo a criança, alguma doença que simule abuso físico, esta pode realmente sofrê-lo.

Durante o exame físico, a pele deve ser bem examinada, pois, trata-se do órgão mais atingido nos maus tratos e também, mais fácil de ser examinado. A disposição dos ferimentos sobre a pele, muitas vezes, auxilia na diferenciação de trauma acidental e não- acidental.

O médico deve prosseguir com cuidadosa inspeção e palpação de todas as superfícies corporais, descrevendo todos os ferimentos encontrados. Áreas passíveis de sofrerem trauma oculto, devem ser analisadas através de exames radiológicos. Todas as fraturas devem ser interpretadas levando em consideração a idade, desenvolvimento e a história da criança. Especial cuidado deve ser tomado ao examinar a cavidade oral, virilha e genitais, para não deixar de constatar algum trauma.

A fundoscopia é uma parte do exame freqüentemente negligenciada quando o médico está avaliando uma criança com suspeita de maus tratos. As hemorragias da retina são altamente sugestivas da “shaken-baby syndrome” (síndrome do bebê agitado), resultante de maus tratos da criança.

Resultados

Nesse estudo, ênfase foi dada à avaliação de uma criança com suspeita de ter sofrido maus tratos, a qual deve ser cuidadosa, para que não haja diagnóstico equivocado de abuso físico e esse fato não cause verdadeira destruição de uma família.

Fazer um relatório indica que o abuso da criança ou a sua negligência é uma consideração diagnóstica séria, não um diagnóstico definitivo. Os médicos que se importam com crianças devem familiarizar-se com os estatutos de proteção da criança. A lei requer o relatório de todos os casos suspeitos.

Além disso, no caso de não existir segurança para a criança ir para casa, pode ser necessária a admissão temporária da criança em um hospital, até o serviço de proteção ao menor resolver o que fazer com ela.

Segundo o estudo realizado pelo Dr.David Pressel, a avaliação de uma criança com suspeita de sofrer maus tratos, consiste em um problema comum e sério para todos os pediatras. Uma história inconsistente, com a avaliação médica e os determinados testes padrões (laboratoriais e radiológicos) de achados físicos, deve alertar o médico quanto à possibilidade de abuso da criança. Além de exercer a função de diagnosticar e de tratar o paciente, o médico possui também a responsabilidade de alertar o serviço de proteção da criança e, dessa forma, protege-la.

Fonte: Am Fam Physician 2000;61:3057-64

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